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Regulação do Mercado de Ativos Virtuais: BC abre consulta pública para obter contribuições sobre temas relevantes do Mercado de Ativos Virtuais no Brasil

19 de dezembro de 2023

No dia 14 de dezembro de 2023, o Banco Central do Brasil (“BC”) colocou em consulta pública, na modalidade de tomada pública de subsídios, por meio do Edital nº 97 (“ECP 97”), um extenso conjunto de questões com o objetivo de obter contribuições e informações sobre importantes temas relacionados ao mercado de ativos virtuais no Brasil, o que lhe permitirá desenvolver a respectiva regulamentação em observância das disposições do Marco Legal dos Ativos Virtuais (Lei nº 14.478/22).

Por meio da tomada pública de subsídios, em conformidade com o ECP 97, o BC pretende aumentar a eficiência, a segurança e o desenvolvimento do mercado de prestação de serviços de ativos virtuais no país, bem como obter informações que permitam a construção de um arcabouço regulatório adequado para a atuação das prestadoras de serviços de ativos virtuais (“VASPs”).

Dentre os principais temas abordados pelo ECP 97, destacam-se:

  • Segregação patrimonial e gestão de riscos

A segregação patrimonial dos clientes com relação ao patrimônio das VASPs é o primeiro tema abordado pelo BC, dada a sua relevância, notadamente em cenários de crise. Tal assunto não foi expressamente previsto no Marco Legal dos Ativos Virtuais, o que traz desafios jurídicos para sua aplicação com base em norma infralegal. Inclusive, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 3.706/2021, que busca não só a tipificação do crime de pirâmide financeira, mas também altera o Marco Legal dos Ativos Virtuais para prever a segregação patrimonial, de modo a assegurar que os recursos dos investidores-consumidores depositados e custodiados nas VASPs não estejam contemplados em meio aos recursos das próprias VASPs, conforme evidenciado em suas demonstrações financeiras e, assim, não sejam integrados ao patrimônio delas.

Quanto à gestão de riscos, o ECP 97:

    • Traz questionamentos quanto à possibilidade de utilização de recursos dos clientes mantidos em uma VASP para garantir operações do próprio cliente em curso naquela plataforma e eventuais limites para isso.
    • Cogita se deveriam ser criados mecanismos de segurança patrimonial ou fundos garantidores para proteção dos clientes/investidores desse mercado, tal como o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) – e quais seguros poderiam ser aplicados ao segmento.
    • Questiona sobre medidas que poderiam ser adotadas para a proteção do investidor que trava seus ativos virtuais em uma blockchain para fins de staking, dados os riscos operacionais e de perda dos ativos virtuais envolvidos nesse tipo de operação.

O BC também trouxe perguntas sobre os temas dos pagamentos transfronteiriços liquidados com ativos virtuais e o uso de ativos virtuais em operações de investimento estrangeiro direto (IED) e de crédito externo, bem como quais medidas poderiam ser adotadas para garantir a existência de recursos suficientes para honrar operações de derivativos com criptoativos.

  • Atividades e ativos virtuais negociados

O ECP 97 questiona:

    • se as VASPs deveriam submeter o pedido de autorização ao BC para diversas atividades previstas no Marco Legal dos Ativos Virtuais ou se a autorização deveria ser específica por atividade (i.e. negociação, custódia, gestão de terceiros etc);
    • se instituições financeiras e instituições de pagamentos poderiam exercer essa atividade ou deveriam estar vinculadas a um tipo específico e exclusivo de instituição autorizada a funcionar pelo BC; e
    • quais poderiam ser os critérios mínimos para as VASPs selecionarem os ativos virtuais a serem oferecidos em sua plataforma.
  • Contratação de serviços essenciais

O BC traz questionamentos sobre:

    • As garantias mínimas necessárias a serem outorgadas no Brasil por VASPs que utilizam instituições localizadas no exterior na prestação de serviços de custódia de ativos virtuais de clientes, de modo a preservar recursos de clientes e garantir o cumprimento de demandas legais sobre tais ativos.
    • Critérios para minimizar riscos envolvidos na contratação de serviços de terceiros, tais como outras prestadoras de serviços do mercado de ativos virtuais, intermediários, custodiantes e provedores de carteiras e de liquidez.
    • Quais controles e procedimentos específicos poderiam ser adotados pelas VASPs e provedores de liquidez, a fim de assegurar o cumprimento da regulamentação relativa à prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT) por parte desses agentes.
  • Regras de governança e conduta

No ECP 97, o BC formulou 12 perguntas relevantes sobre o tema “governança e conduta”. As perguntas tratam sobre:

  1. Armazenamento e administração de chaves privadas, procedimento de armazenamento, inclusive os descentralizados e as responsabilidades das detentoras de partes da informação, bem como os riscos associados a tais procedimentos, e quais procedimentos poderiam ser adotados para constituição de ônus e de bloqueio judicial de ativos virtuais.
  2. Quais as referências da formação de preços dos ativos virtuais negociados nas plataformas exchanges.
  3. Mecanismos a serem adotados para identificar e coibir a manipulação de mercado.
  4. Qual o fluxo de liquidação de operações de compra e venda de ativos virtuais nas exchanges e qual a diferença para o fluxo de liquidação do mercado tradicional.
  5. Quais medidas podem ser adotadas para conferir maior clareza informacional aos clientes sobre as taxas de transação cobradas e a alta volatilidade dos ativos virtuais.
  6. A lógica de definir percentual mínimo de ativos a serem custodiados em cold wallet e qual seria o fundamento técnico para definição do percentual.
  7. A possibilidade de as VASPs atuarem como provedoras de liquidez nas operações de seus clientes, atuando como contrapartes nas operações, e quais parâmetros deveriam ser adotados para limitar riscos nessas operações.
  8. Qual seria a forma mais adequada de se caracterizar o controle (propriedade) sobre os ativos virtuais e como tratar nos casos de compartilhamento de chaves.
  9. Qual seria a estrutura organizacional mínima para a governança adequada de prestadoras de serviços de ativos virtuais, levando-se em conta sistemas para processamento e controle das operações, segurança informacional e o compliance com as normas, bem como a necessidade de certificações.
  10. Quais seriam as formas de atuação das VASPs para combater a prática de ilícitos por meio de transações com ativos virtuais.
  11. Quais ferramentas e mecanismos as VASPs estão adotando para identificação dos beneficiários finais e como podem assegurar o cumprimento da “Travel Rule”, conforme a Recomendação 16 do Financial Action Task Force/Grupo de Ação Financeira Internacional (FATF/GAFI).
  12. Como as operações suspeitas com ativos virtuais deverão ser tratadas pelas VASPs e como o monitoramento de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT) deverá ser realizado.
  • Segurança cibernética

O ECP 97 aborda, genericamente, o que o mercado considera ser requisito necessário para a manutenção da segurança cibernética no mercado de ativos virtuais e quais seriam os fatores mitigadores do risco cibernético no segmento.

  • Prestação de informações e proteção dos clientes

De acordo com o BC, deverá haver adequada prestação de informações aos clientes pelas VASPs por meio da implementação de políticas e procedimentos que assegurem a adequação dos serviços e ativos virtuais ao perfil dos clientes (suitability). Dessa forma, no ECP 97, o BC questiona quais elementos seriam necessários para a implementação dessas políticas, particularmente no caso de as VASPs permitirem operações com “instrumentos digitais representativos de valor, possuidores de mecanismo de estabilização em relação a um ativo específico ou a uma cesta de ativos” (i.e., stablecoins).

  • Regras de transição

Por fim, o BC solicita sugestões a respeito da regra de transição prevista no artigo 9º do Marco Legal dos Ativos Virtuais. Questiona se deve haver fases para a adequação das VASPs às novas regras, em que tempo e sob quais critérios, observado o prazo mínimo de seis meses, estabelecido na lei federal.

O ECP 97 reflete uma nova abordagem do BC na construção da regulamentação do segmento de ativos virtuais, com viés mais propositivo e aberto a sugestões, a partir das perguntas pertinentes formuladas ao mercado. Sem prejuízo, denota também um estudo aprofundado e maior conhecimento do BC a respeito desse mercado.

As contribuições acerca do ECP 97 deverão ser realizadas até 31 de janeiro de 2024, mediante o preenchimento do formulário disponibilizado no endereço do BC na internet (menu do perfil geral “Estabilidade financeira”, “Normas”, “Consultas públicas”, “Consultas ativas”). Contribuições enviadas por outros meios ou em outros formatos serão desconsideradas.

Nossa equipe de Bancário e Financeiro está à disposição para auxiliar na formulação de manifestações ao BC acerca do tema, bem como prestar quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.

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Guilherme Zeppelini Inaba

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