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Portaria regula penhora de imóveis em política de reforma agrária

22 de novembro de 2024

Portaria regula penhora de imóveis em política de reforma agrária

No dia 13 de novembro de 2024, foi editada a Portaria Interministerial AGU/MDA/MF nº 4, de 8 de novembro de 2024, que pretende utilizar a penhora de imóveis como instrumento de expropriação para fins de reforma agrária em litígios que tenham a União como credora.

Em resumo, abriu-se a possibilidade para uma mudança de comportamento da União em relação à penhora de imóveis rurais, que poderia optar por adjudicá-los e destiná-los a projetos de reforma agrária em lugar de levá-los a leilão para satisfação do crédito no curso tradicional de uma execução fiscal.

A portaria interministerial prevê a interconexão de informações entre a Procuradoria-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Procuradoria-Geral Federal e a Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil, de um lado, e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de outro, para a identificação de imóveis com vocação para reforma agrária.

Vertentes de atuação

Há duas vertentes de atuação reveladas na portaria:

  • Na primeira, em processos em curso e com penhora realizada, o Incra receberá informações semestrais sobre os imóveis atingidos pela constrição para avaliação.
  • Na outra, a Procuradoria-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Procuradoria-Geral Federal e a Procuradoria-Geral do Banco Central do Brasil informarão ao Incra e ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar a lista de devedores inscritos em dívida ativa para que recebam informações sobre a existência de imóveis rurais no patrimônio de tais devedores num cruzamento das informações.

A iniciativa visa introduzir uma forma simplificada de expropriação para fins de reforma agrária, garantindo um emprego efetivo de recursos advindos de venda forçada para a quitação de dívidas. Apesar de os motivos que inspiraram a medida serem benéficos, existem algumas preocupações.

Questões relacionadas à penhora de imóveis

Mais terras rurais em propriedade da União

Uma das preocupações, de ordem política, chama atenção: a União já é a maior detentora de terras rurais do Brasil, a grande maioria em estado de nenhuma ou baixa utilização. Isso demonstra o paradoxo contraproducente da portaria com a situação real, já que há imóveis cuja situação da propriedade se encontra resolvida na pessoa da própria União e que poderiam ter a destinação pretendida.

Ainda que o imóvel seja destinado a assentamentos rurais, a Lei nº 8.629/1993 (Lei de Reforma Agrária) não exige necessariamente que a propriedade seja transferida aos assentados, de forma que já existem mecanismos legais que permitam estruturas pelas quais terras possam ser destinadas à reforma agrária sem a necessidade de disponibilizar o patrimônio da União.

Nesse contexto, há um risco real de que se concentre cada vez mais terras rurais na propriedade da União, cuja utilização produtiva, quando ocorre, tende a ser lenta e pouco eficiente.

Falta da necessidade de cumprir com critérios de subutilização da terra

A segunda ponderação, esta legalista, parece mais severa: embora exista previsão de que a análise do uso adequado do imóvel em questão seja feita no âmbito de um processo administrativo, a Portaria Interministerial AGU/MDA/MF Nº 4 não trouxe qualquer previsão sobre a necessidade de o imóvel contemplado se conformar aos critérios de subutilização da terra que são intrínsecos à desapropriação para fins de reforma agrária. Sendo a adjudicação um interesse patrimonial disponível a qualquer exequente, em princípio, seu exercício seria livre e não precisaria estar subordinado a qualquer critério legal.

Nesse aspecto, vemos com preocupação a segurança da medida. Deve ser ponderado que, se o curso normal de uma execução fiscal deve levar à venda dos bens do devedor para buscar o valor que é devido à União, esse desvio poderia ter a sua constitucionalidade questionada. Até mesmo em razão de que, no curso da execução, as hastas públicas propiciariam disputa sobre o bem e o resultado financeiro de mais valia não apenas para a própria União, mas, notadamente, para o executado, o qual deve ter o eventual valor de sobra da venda forçada preservado. Se a portaria impede a aplicação desses mecanismos, a depender da hipótese concreta, esse pode ser mais um elemento para questionar a sua aplicação.

O artigo 876 do Código de Processo Civil prevê que a adjudicação deve ser feita por valor não inferior ao de avaliação do bem penhorado. No entanto, caso a penhora recaia sobre imóvel rural produtivo, o valor da safra pode superar o da terra nua, ou, ainda que não supere, representar um ativo de valor substancial.

Nesses casos, adjudicada a terra, em princípio o devedor ainda teria direito à safra, mas como garantir seu acesso à propriedade ou, ainda, a desmobilização da atividade que se seguirá ao ato expropriatório? Claro que essa não é uma problemática típica da União, e seria enfrentada em qualquer caso de venda forçada de propriedades produtivas. Entretanto, as dificuldades tendem a se acentuar em casos em que o interlocutor é uma pessoa jurídica de direito público.

Esse risco sempre existiu, já que a adjudicação sempre foi uma prerrogativa não só da União, mas de qualquer exequente. No entanto, tende a ser usada com parcimônia considerando-se a natural predileção de credores pela satisfação do crédito em dinheiro. Com essa mudança de orientação, o instituto pode ganhar contornos persecutórios e casuísticos, o que pode interferir na racionalidade da medida.

Impactos socioambientais

E, por fim, ainda tomando o exemplo da propriedade produtiva penhorada: há que se considerar que explorações agrícolas podem ser de diferentes complexidades e demandar tecnologia nem sempre acessível a assentados. Essa situação pode ensejar uma perda significativa, com impactos que transcendem o setor imobiliário e atingem questões ambientais e mesmo sociais que podem neutralizar o benefício pretendido.

A equipe de Imobiliário do Demarest está acompanhando os desdobramentos na prática e os limites que o judiciário poderá ou não impor às diferentes situações, e permanece à disposição para prestar esclarecimentos adicionais.

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