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Nova Regulação de Fundos de Investimento da Comissão de Valores Mobiliários
27 de dezembro de 2022
Introdução
Em dezembro de 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) iniciou audiência pública para alterar e consolidar a regulamentação relativa a fundos de investimento. Provocada pelas inovações trazidas pela Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019 (“Lei da Liberdade Econômica” ou “Lei 13.874/19”), a minuta de norma trazida pela audiência pública veio para modernizar o mercado de fundos no Brasil, além de trazer a nova regulamentação específica de fundos de investimento em direitos creditórios, cuja última reforma substancial datava de 2013 ‒ editada no contexto de impor restrições a situações de conflitos de interesses ‒, e já vinha sendo objeto de revisão pela autarquia.
Após dois anos do início desse processo, a Resolução CVM 175 foi editada, em 23 de dezembro de 2022, com vigência geral a partir de 03 de abril de 2023. Mais do que um movimento de revisão e atualização de normas objeto da Agenda Regulatória da CVM para 2020, surge aqui um novo marco regulatório para os fundos de investimento – uma nova abordagem voltada a atender demandas da indústria e a aproximar a realidade dos fundos brasileiros ao cenário internacional, além de esclarecer aspectos relativos às atribuições e responsabilidades de prestadores de serviços envolvidos no funcionamento de fundos de investimento.
A seguir, destacamos as principais mudanças e inovações trazidas com o novo marco regulatório dos fundos de investimento.
Principais Novidades do Marco Regulatório
A Resolução CVM 175 apresenta a seguinte abordagem à regulação de fundos de investimento:
i. parte geral, em que estão presentes os dispositivos aplicáveis a todas as categorias de fundos de investimento; e
ii. anexos normativos para cada categoria de fundos de investimento.
Inicialmente, a norma trouxe os anexos relativos a:
i. Fundos de investimento anteriormente regulados pela Instrução CVM 555, de 17 de dezembro de 2014, com denominação alterada para Fundos de Investimento Financeiros (“FIF”), contemplando os fundos de investimento em ações, cambiais, multimercado e renda fixa.
ii. Fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDC”), regulados pela Instrução CVM 356, de 17 de dezembro de 2001, e pela Instrução CVM 444, de 08 de dezembro de 2006.
Espera-se que a CVM edite, em breve, os anexos sobre Fundos de Investimento em Participações (“FIP”) e Imobiliários (“FII”), já que suas normas de regência serão revogadas pela Resolução CVM 175 a partir do início de sua vigência.
Regras Gerais
Os principais aspectos da parte geral do marco regulatório de fundos de investimento trazidos pela Resolução CVM 175 estão descritos a seguir:
1. Prestadores de Serviços Essenciais e suas Atribuições
A Resolução CVM 175 atribuiu ao administrador e ao gestor a qualificação de prestadores de serviços essenciais ao fundo, com maior protagonismo ao gestor. Dessa forma, a constituição do fundo deverá ser realizada conjuntamente entre administrador e gestor, ao passo que a contratação de prestadores de serviços ao fundo também é alocada entre o administrador (i.e., tesouraria, controladoria, escrituração, entre outros) e o gestor (i.e., distribuição de cotas, consultoria de investimento, cogestão, formador de mercado, entre outros), conforme o caso.
Além das previsões da parte geral da Resolução nesse sentido, devem ser consideradas as regras específicas aplicáveis a prestadores de serviços típicos de cada categoria de fundos (i.e., para os FIDC, há previsões específicas relativas à contratação de agente de cobrança, custódia de direitos creditórios, entidade registradora e consultoria especializada, conforme descrito em seu anexo normativo).
2. Limitação de Responsabilidade dos Cotistas
Em linha com a previsão da Lei de Responsabilidade Econômica, a Resolução CVM 175 admite que o regulamento do fundo preveja que a responsabilidade do cotista é limitada ao valor por ele subscrito.
Na ausência de previsão nesse sentido, prevalece a responsabilidade para além do valor subscrito – ou, na linguagem da norma, pelo patrimônio líquido negativo –, observado que administrador e gestor, no processo de adaptação dos regulamentos de fundos existentes, podem incluir em tais regulamentos a responsabilidade limitada, sem necessidade de aprovação pelos cotistas em assembleia geral.
Nos fundos em que o regulamento limite a responsabilidade dos cotistas, deverá ser acrescido à denominação da classe o complemento “Responsabilidade Limitada”.
Originalmente, a minuta da norma da audiência pública não permitia que fundos exclusivos tivessem tal previsão da limitação de responsabilidade, o que foi desconsiderado na norma efetivamente editada.
Ainda, a limitação de responsabilidade dos cotistas tem impacto específico no procedimento a ser adotado em caso de verificação de patrimônio líquido negativo do fundo, o que pode levar à apresentação de pedido de declaração judicial de insolvência da classe de cotas, nos termos previstos na Resolução e no Código Civil.
3. Classes de Cotas, Subclasses de Cotas e Patrimônios Segregados
Talvez aqui resida a alteração mais significativa para a indústria de fundos de investimento. Isso porque a Lei de Liberdade Econômica autorizou que os fundos de investimento estabelecessem classes de cotas com direitos e obrigações diferentes, com a constituição de patrimônios segregados para cada tipo de classe. Embora a nova Resolução entre em vigor em abril de 2023, a autorização para criar classes de cotas passa a valer em abril de 2024.
Nessa linha, a Resolução CVM 175 estabeleceu que:
i. As classes de cotas devem pertencer à mesma categoria de fundo de investimento, e não é permitida a constituição de classes de cotas que alterem o tratamento tributário aplicável ao fundo e às demais classes de cotas.
Aqui, a norma foi além da audiência pública, pois o conceito de “categoria” de fundos é vinculado ao anexo normativo que disciplina a norma – na audiência, a criação de patrimônios segregados se vinculava a uma visão mais restritiva da respectiva classe de ativos. Dessa forma, por exemplo, será possível constituir, em um só fundo, classes de cotas com as diversas modalidades de carteiras admitidas na categoria dos FIF, prevista no anexo normativo I. Tais modalidades, no entanto, devem ser consistentes em relação ao tratamento tributário, de modo a observar o princípio da norma que veda a constituição de classes que alterem o tratamento tributário pertinente ao fundo ou suas demais classes de cotas.
ii. As classes de cotas podem contar com subclasses, observada a vedação a afetação ou vinculação de parcela de patrimônio de uma classe de cotas a qualquer subclasse.
iii. O fundo pode contar com cotas de classe aberta (admitindo resgate das cotas) e com cotas de classe fechada (não admitindo o resgate das cotas), desde que tais classes sejam consistentes em relação ao tratamento tributário, observando o princípio da norma que veda a constituição de classes que alterem o tratamento tributário pertinente ao fundo ou suas demais classes de cotas.
Trata-se de uma mudança terminológica importante: o fundo deixa de ser “aberto” ou “fechado”, de modo que o regime aberto ou fechado se aplica à respectiva classe.
Os anexos descritivos das classes deverão prever, entre outras informações:
a. o público-alvo da classe;
b. a responsabilidade dos cotistas, informando se será limitada ao valor subscrito ou ilimitada;
c. o regime da classe, se aberta ou fechada;
d. o prazo de duração, que poderá ser indeterminado ou o mesmo de duração do fundo; e
e. a política de investimentos.
Cumpre destacar que, ainda que tenha prevalecido o entendimento regulatório da possibilidade de convivência de classes de diferentes categorias e/ou regimes (aberto ou fechado) na mesma estrutura de fundo, o artigo 5º,§ 1º da Resolução CVM 175 veda a constituição de classes que alterem o tratamento tributário aplicável ao fundo ou suas demais classes de cotas. Com isso, visa-se acomodar o fato de que a norma tributária ainda carece de revisão para tratar a tributação de modo individualizado por classes de cotas e seus respectivos patrimônios, e não do fundo de investimento como um todo.
4. Classes restritas de cotas
As cotas também podem ser consideradas “restritas”, caso destinadas a investidores qualificados ou investidores profissionais, conforme o caso. Essa qualificação cria uma série de flexibilizações regulatórias para as cotas que assim se qualifiquem.
Entre outros aspectos previstos de forma esparsa na Resolução e seus anexos normativos, estas flexibilizações incluem permissão para que haja:
i. Para qualquer fundo:
1. Integralização e resgate de cotas com ativos financeiros.
2. Restrição a pedidos de resgate de cotas para datas ou períodos.
3. Cálculo e cobrança de taxas na forma do regulamento.
4. Outorga, pelo fundo, de coobrigação de determinada classe sobre operações de sua carteira de ativos.
5. Contratação de empréstimo em nome de classe de cotas, limitado ao valor assumido em compromisso de investimento ou para garantir a continuidade de suas operações.
ii. Para o FIF:
1. Prazos específicos, diferentes daqueles previstos na regulamentação, para conversão de cota e para pagamento dos resgates, com previsão de prazo máximo de conversão e pagamento.
2. Cômputo em dobro de limites de concentração por ativo ou emissor, previstos em seus artigos 45, incisos I a III, e 60.
3. Em determinados contextos, afastamento:
a) de limites de concentração por emissor e por modalidade de ativo financeiro e aplicação de recursos no exterior; e
b) de determinadas obrigações pelo administrador.
iii. Para o FIDC:
1. Encargos estabelecidos no regulamento que excedam os previstos na parte geral e no respectivo anexo normativo de FIDC.
2. Possibilidade de ultrapassar limites estabelecidos para alocação do patrimônio líquido devedor e/ou coobrigado, ou para ativos específicos, como direitos creditórios não-padronizados ou precatórios federais que atendam determinados requisitos da norma, observado que classes restritas a investidores profissionais podem prever em regulamento a dispensa de observância aos limites de concentração por devedor, emissão e tipo de direito creditório.
3. Aquisição de direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultoria especializada ou partes a eles relacionadas, desde que a entidade registradora e o custo diante não sejam partes relacionadas ao originador ou cedente (observado que, para classes de investidores qualificados, também se exige que o administrador, o gestor, a entidade registradora e o custo diante dos direitos creditórios não sejam partes relacionadas entre si).
4. A inovação da Resolução CVM 175 está em permitir que determinadas matérias, antes sujeitas a restrição absoluta (inclusive vedações, por exemplo, a contratação de empréstimos) ou para as quais se exigia assembleia especial (por exemplo, outorga de garantias), sejam admitidas em regulamento a partir de sua constituição ou, após sua constituição, mediante alteração do regulamento nesse sentido.
5. Fatores ambientais, sociais e de governança (ESG/ASG)
A audiência pública da nova norma de fundos trouxe para discussão a possibilidade de rotulagem de um fundo como “socioambiental”, inicialmente no contexto do FIDC.
A abordagem da Resolução CVM 175, nesse sentido, foi mais ampla. Dessa forma, fundos de quaisquer categorias – nos termos da parte geral da norma –, com referências a aspectos de finanças sustentáveis, inclusive com alusão a termos como “ESG”, “ASG”, entre outros similares, deverão estabelecer, em seus regulamentos:
i. quais os benefícios ambientais, sociais ou de governança esperados e como a política de investimento busca originá-los;
ii. as metodologias, princípios ou diretrizes seguidos para qualificação do fundo ou da classe dessa forma;
iii. a entidade responsável por certificar ou emitir parecer qualificado, se houver, em relação a aspectos ambientais, verdes, sociais, sustentáveis e/ou correlatos;
iv. especificação sobre a forma, o conteúdo e a periodicidade de divulgação de relatório sobre os resultados ESG/ASG alcançados pela política de investimento do fundo ou da classe no período, bem como sobre o responsável pelo relatório.
Aqui, a CVM se aproximou da autorregulação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (“ANBIMA”), embora esta vá além. Na última edição do Código de Administração de Recursos de Terceiros da ANBIMA, há duas categorias nessa temática, apenas para fundos de ações e renda fixa:
a. Fundos sustentáveis, cuja tese de investimento está diretamente relacionada à sustentabilidade e para cuja classificação se impõe o atendimento a critérios que atestem compromisso, ações de diligência e transparência dos fundos e respectivos gestores.
b. Fundos que integram questões ASG, cuja tese de investimento não é exclusivamente sustentável, mas que integram, em seus processos de gestão de riscos e de seleção de investimentos, os fatores ambientais, sociais e/ou de governança. A diferenciação entre estes e os fundos que não têm esta integração é feita nos materiais de publicidade, com a frase “esse fundo integra questões ASG em sua gestão”.
A norma deixa claro que, caso a política de investimento integre fatores ESG/ASG às atividades de gestão da carteira, mas não busque especificamente originar benefícios socioambientais, ficará vedada a utilização de tais termos e outros correlatos para caracterização do fundo ou da classe, e o regulamento deve dispor acerca da integração de tais fatores à política de investimento.
6. Declaração Judicial de Insolvência
Uma das inovações trazidas pela Resolução foi a possibilidade de declaração de insolvência de classe de cotas do fundo, matéria também incluída nas matérias de competência privativa das assembleias gerais de cotistas.
Dessa forma, em caso de patrimônio líquido negativo da respectiva classe de cotas do fundo, nas respectivas situações previstas na Resolução CVM 175, os cotistas poderão assim deliberar pela declaração de insolvência em assembleia. Alternativamente, se não houver a deliberação nesse sentido na assembleia geral, o administrador poderá apresentar o pedido de declaração judicial de insolvência de classe de cotas.
Ainda, quando identificar situação na qual o patrimônio líquido negativo de determinada classe de cotas represente risco para o funcionamento do mercado ou para a integridade do sistema financeiro, a CVM poderá pedir a declaração judicial de insolvência da respectiva classe de cotas.
7. Retenção de Risco pelos Fundos e Utilização de Ativos da Carteira
Ponto importante da parte geral da Resolução foi admitir a utilização dos ativos da carteira da classe como coobrigação das operações da respectiva classe de cotas. No relatório da audiência pública, a CVM reconhece que a prestação de garantias nesse sentido também faz parte das atividades de gestão do patrimônio da classe, de modo que a flexibilização se estende de forma automática para classes restritas, sem prejuízo de restrições adicionais nesse sentido no regulamento do fundo e em relação à respectiva classe.
Para classes de cotas destinadas a investimento pelo público em geral, tal prática pressupõe a autorização prévia em assembleia geral de cotistas. Era dessa forma que originalmente se permitia essa prática para fundos de investidores qualificados, antes da flexibilização da nova norma.
Cabe aqui acompanhar como os novos anexos normativos à Resolução, referentes a outras categorias de fundos, compatibilizarão tal norma geral, especialmente no caso dos fundos de investimento imobiliário, dado que os FII estão sujeitos a lei específica que impõe restrições à oneração de ativos do fundo, em especial os imóveis.
Fundos de Investimento Financeiro – FIF
A Resolução CVM 175 resgatou a expressão utilizada, até 2001, para fundos antes regulados pelo Banco Central, e adotou-a para os fundos antes regulados pela Instrução CVM 555.
O Anexo Normativo I (“Anexo I”) dispõe sobre as regras específicas para os FIF, que poderão ser, de acordo com sua política de investimento:
i. fundos de investimento em ações;
ii. fundos de investimento cambial;
iii. fundos de investimento multimercado; e
iv. fundos de investimento em renda fixa.
Vale destacar aqui que a sistemática da regra geral da Resolução, que exige que todas as classes do mesmo fundo estejam dentro da mesma categoria (assim entendida a sujeição a determinado anexo normativo), admite a vinculação de cada categoria a um anexo normativo.
Na prática, isso viabiliza que o mesmo FIF tenha classes de cotas de diferentes tipos, dentro das classificações acima previstas para diferentes políticas de investimento de FIF. Neste caso, como esclarece o relatório de audiência pública da CVM, a denominação de cada classe indicará seu tipo (ações, cambial, multimercado, renda fixa), observada a vedação geral de constituição de classes que alterem o tratamento tributário pertinente ao fundo ou suas demais classes de cotas.
Além disso, dentre a definição de ativos financeiros listados no Anexo I, destacam-se as seguintes inovações:
i. Créditos de descarbonização (“CBIO”) e créditos de carbono, registrados em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pelo BACEN ou pela CVM, ou negociados em mercado administrado por entidade administradora de mercado organizado autorizado pela CVM.
ii. Criptoativos, desde que negociados em entidades autorizadas pelo BACEN ou CVM, ou em caso de operações no exterior. Até a edição da Resolução CVM 175, a CVM entendia ser possível o investimento por fundos em criptoativos apenas de forma indireta[1], já que , até então, os criptoativos não podiam ser classificados como “ativos financeiros”, segundo a visão da CVM.
Em relação aos créditos de carbono, é importante ressaltar que, nesse primeiro momento de inclusão de tais títulos como ativos financeiros para fins de investimento por FIF, a CVM optou por considerar apenas as modalidades emitidas por autorização de autoridade governamental no Brasil ou em jurisdição estrangeira.
A respeito desse ponto, o relatório de audiência pública da Resolução esclarece que, em um primeiro momento, não foram considerados os créditos de carbono oriundos do mercado voluntário, o que não significa que, futuramente, o tema não venha a ser abordado para inclusão de tal modalidade no conceito de ativos financeiros. Sobre esse ponto, a CVM afirma, no relatório de audiência pública, que
“Essa opção segue uma tendência iniciada no mercado europeu, que trata as autorizações para emissões de gases do efeito-estufa como ativos financeiros, mas não confere o mesmo tratamento aos títulos representativos de reduções e remoções de gases feitas de maneira voluntária. (…) A escolha em relação aos FIF foi determinada pela necessidade de, em nome de sua competitividade, dotar o mercado brasileiro de características próximas os mercados mais desenvolvidos”.
Esta definição de ativos financeiros restringe-se ao escopo dos FIF regidos pelo Anexo I, de modo que os demais fundos de investimento continuam sujeitos a regramento próprio (i.e., o Anexo II, tratado a seguir, ainda prevê definição restritiva aos ativos financeiros de liquidez passíveis de alocação de parcela remanescente do patrimônio dos FIDC, sem englobar diversos ativos financeiros da norma de FIF, entre eles os créditos de carbono e criptoativos).
Em relação à composição das carteiras de diferentes tipos de FIF, inclusive quanto aos limites de concentração aplicáveis, destacam-se os seguintes pontos do Anexo I:
1. Elimina-se a necessidade de um fundo ser necessariamente caracterizado como fundo de cotas, de modo que:
a. toda classe de cotas de FIF pode aplicar recursos em classes de outros FIF, desde que alinhado com sua política de investimento;
b. o investimento em classes de cotas de outros fundos deixa de estar sujeito os limites de concentração por emissor;
c. houve flexibilizações nos limites de aplicações de classes de FIF em cotas de FIDC, FII e FIP, em relação à norma anterior, inclusive com referência expressa à possibilidade de investimento em cotas de Fundos de Investimento em Cadeias Agroindustriais (“FIAGRO”).
2. Flexibilizações à exposição dos FIF a ativos financeiros no exterior, de modo que, cumpridos determinados requisitos, inclusive classes de FIF destinadas ao público em geral podem extrapolar o limite-base de exposição a ativos financeiros no exterior (20% do patrimônio líquido da classe).
3. Eliminação do limite de concentração por emissor quando este corresponder a fundo de investimento (i.e., uma outra classe de cotas), sem prejuízo dos limites por modalidade de ativo financeiro, conforme aplicáveis, e considerando regras de consolidação. Além disso, com relação aos limites por emissor:
a. permitiu-se que fundos possam aplicar, em um único ativo, considerando a inclusão da alínea “c” no inciso V do artigo 44 do Anexo I; e
b. as classes “multimercado” e “ações” (neste último caso, para investimento em ações e ativos relacionados) não estão sujeitas aos limites de concentração por emissor, desde que assim seja expressamente previsto em seu regulamento e no termo de adesão, inclusive com alerta de exposição ao risco de concentração em poucos emissores.
4. Limites de concentração por modalidade de ativo financeiro – sem prejuízo das regras aplicáveis à política de investimento de cada tipo de FIF, observado que tais regras não se aplicam à carteira de ativos de FI-Infra (fundo incentivado de investimento em infraestrutura), regulado pela Lei 12.431/2011 – estabelecidos especificamente para os seguintes ativos:
a. Até 20% do patrimônio líquido para o conjunto dos seguintes ativos:
i. cotas de FIF destinadas a investidores qualificados, sendo de 5% o limite para cotas de FIF destinadas a investidores profissionais;
ii. cotas de FII;
iii. cotas de FIDC, sendo de 5% o limite para aplicação em cotas de FIDC que admitam investimento em direitos creditórios não-padronizados.
b. Até 15% do patrimônio líquido para o conjunto dos seguintes ativos:
i. cotas de FIP; e
ii. cotas de FIAGRO, sendo de 5% o limite para aplicação em cotas de FIAGRO que admitam investimento em direitos creditórios não-padronizados.
c. Até 10% do patrimônio líquido para o conjunto dos seguintes ativos, observados os requisitos da norma aplicáveis a cada um deles:
i. títulos e contratos de investimento coletivo (inclusive os CIC-hoteleiros);
ii. CBIO, créditos de carbono e créditos de metano; – observado que a CVM não estabelece na Resolução uma definição específica para “créditos de metano”;
iii. criptoativos; e
iv. valores mobiliários emitidos por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo, desde que sejam objeto de escrituração por escriturador autorizado pela CVM.
d. Ausência de limite de concentração por modalidade de ativo financeiro para investimento em:
i. notas promissórias, debêntures, notas comerciais, ações e certificados de depósitos, emitidos por companhias abertas e objeto de oferta pública;
ii. cotas de classe de FIF destinadas ao público em geral;
iii. fundos de índice (ETF);
iv. contratos derivativos que não estejam referenciados nos ativos com alocação limitada nos termos dos itens anteriores;
v. entre outros ativos previstos na regulação.
Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC
O Anexo Normativo II (“Anexo II”) dispõe sobre as regras específicas aplicáveis ao FIDC.
Como parte das propostas da CVM elencadas no Anexo II da Minuta, merecem destaque:
i. eliminação da categoria dos fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados, mas não a extinção da possibilidade de adquirir esse tipo de crédito;
ii. alteração do percentual mínimo do patrimônio líquido, para enquadramento como uma classe de investimento em cotas, que requer a aplicação de no mínimo 67% do patrimônio líquido da classe em cotas de outros FIDC;
iii. registro de direitos creditórios em entidade regulamentada pelo BACEN; e
iv. verificação de lastro pelo gestor.
Prestadores de serviços
Com a reforma aprovada em 2013, por meio da Instrução CVM 531, a CVM atribuiu ao custodiante a principal função entre os prestadores de serviços do FIDC. Como se sabe, o contexto, à época, era o de evitar situações de conflito de interesses, potencialmente ensejadoras de fraudes ou operações não-comutativas. Nesse sentido, a CVM chegou a impor, por meio da Instrução CVM 356, vedação absoluta a determinadas operações entre partes relacionadas. Até então, tal prática não se verificava em outras normas de fundos e, até mesmo, na legislação aplicável a companhias abertas.
Com a nova regra, as funções do custodiante foram redistribuídas entre o administrador e, principalmente, o gestor, em linha com a parte geral da Resolução CVM 175.
Em adição às demais atribuições dispostas na parte geral da Resolução, os gestores dos FIDCs serão responsáveis por:
i. estruturar o fundo;
ii. executar a política de investimentos;
iii. registrar os direitos creditórios na entidade registradora ou entregá-los ao custo diante ou administrador; e
iv. efetuar a formalização dos documentos relativos à cessão dos direitos creditórios. Ainda, o gestor deverá verificar a existência, integralidade e titularidade do lastro dos direitos e títulos representativos de crédito.
Público-alvo
Na vigência da Instrução CVM 356, o público-alvo do FIDC era restrito a investidores qualificados. Já para os FIDC designados ao investimento em créditos não-padronizados (“FIDC-NP”), a aquisição de cotas era restrita a investidores profissionais.
Com a nova resolução, a CVM passou a permitir a aquisição de cotas de FIDC por investidores em geral (ou seja, não-qualificados), desde que:
a. o público em geral não adquira cotas subordinadas;
b. o regulamento preveja cronograma para amortização e distribuição de rendimentos;
c. caso se trate de classe aberta, o prazo de carência, se houver, em conjunto com o prazo total entre o pedido de resgate e seu pagamento, não pode totalizar um prazo superior a 180 (cento e oitenta) dias2;
d. a política de investimento não admita a aplicação em:
i. créditos não-performados, ou seja, aqueles em que a prestação, pelo cedente, ainda não é exigível, exceto se os cedentes forem concessionárias de serviços públicos ou sociedades constituídas para implementar projetos de investimento prioritários, nos termos da Lei 12.431, de 2011; e
ii. direitos creditórios originados ou cedidos pelo administrador, gestor, consultoria especializada, custodiante, entidade registradora dos direitos creditórios e partes a eles relacionadas;
e. as cotas seniores sejam objeto de classificação de risco.
Direitos creditórios não-padronizados
A nova Resolução eliminou a categoria dos FIDC-NP, porém continuou a permitir a aquisição, por FIDC, desse tipo de crédito, cujas cotas continuam a poder ser adquiridas apenas por investidores profissionais. Espera-se que outras normas, que façam referência ao FIDC-NP, inclusive as editadas pelo CMN, sejam adaptadas para refletir a nova terminologia e a regulação aplicáveis.
Na categoria de investimentos alternativos, passou-se a permitir que a classe de cotas em FIDC:
i. para o público em geral, invista até 20% do seu patrimônio líquido em cotas e ativos financeiros de liquidez, destinados a investidores qualificados, dos quais até 5% pode ser investido em cotas de classes e subclasses e ativos financeiros de liquidez destinados a investidores profissionais; e
ii. para investidores qualificados, invista até 20% do seu patrimônio líquido em cotas e ativos financeiros de liquidez, destinados a investidores profissionais, dos quais até 10% pode ser investido em cotas que admitam a aquisição de direitos creditórios não-padronizados.
Adicionalmente, os precatórios federais sem impugnação (judicial ou não, que já tenham sido expedidos e remetidos ao Tribunal Regional Federal competente) deixam de ser considerados não-padronizados. Por essa razão, a aquisição de cotas por FIDC que invistam em tais precatórios passa a ser permitida para investidores em geral. (observado, neste caso, o limite de concentração aplicável).
Embora a demanda do mercado de investimentos alternativos fosse para uma ampliação mais extensa das classes de ativos não-padronizados para investimento por investidores qualificados e não-qualificados, percebe-se uma evolução em comparação com a regulamentação vigente, que limitava esse tipo de investimento a investidores profissionais.
Operações entre partes relacionadas
A vedação a operações entre partes relacionadas, no FIDC, continua a existir. No entanto, se permite que a assembleia dispense tal vedação em classes de cotas para investidores qualificados. Já para investidores profissionais, permite-se que o regulamento estipule expressamente sua não-aplicabilidade. Em outras palavras, a vedação absoluta continua a existir apenas para classes destinadas a investidores não-qualificados, os quais, até então, nem ao menos poderiam investir em FIDC.
Limite de concentração por devedor ou coobrigado
Em repetição à regra vigente, a nova Resolução prevê que, de modo geral, está limitada a 20% do patrimônio líquido da classe de cotas a aplicação de recursos em direitos creditórios e outros ativos que sejam de responsabilidade ou coobrigação do mesmo devedor.
A inovação da Resolução está em permitir que esse limite seja ampliado para as classes de cotas destinadas a investidores qualificados, desde que se cumpra o requisito de o devedor ou coobrigado ser companhia aberta, instituição financeira ou ter suas demonstrações financeiras auditadas e arquivadas anualmente pelo gestor, na CVM. Além de referida permissão a investidores qualificados, a Regulação também prevê que a classe fica dispensada de observar tal limite de concentração e as previsões a ele relacionadas caso tenha como cotistas exclusivamente: (i) investidores profissionais, ou (ii) sociedades integrantes de um mesmo grupo econômico, e seus respectivos administradores e controladores pessoas naturais.
Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIC-FIDC”)
A minuta da nova norma propôs originalmente que, no FIC-FIDC, fossem investidos no mínimo 67% em cotas de FIDC, e assim se seguiu na nova Resolução, que passou a adotar a terminologia “classe de investimento em cotas”, em vez de FIC-FIDC.
Adicionalmente, as aplicações em cotas de uma mesma classe não podem exceder 25% do patrimônio líquido da classe investidora, observado que esse limite não se aplica a cotas destinadas a investidores qualificados ou profissionais.
O interessante é que, na regra adotada, equiparam-se as cotas de FIDC a direitos creditórios, na medida em que, indiretamente, a exposição econômica é a mesma, mesmo que a alocação em cotas de FIDC não seja feita pela classe de investimento em cotas. Dessa forma: (i) a aplicação em cotas de FIDC passa a ser considerada para o enquadramento do investimento mínimo de 50% do patrimônio da classe em direitos creditórios; e (ii) deixa de ser restrita às classes de investimento em cotas a possibilidade de investimento em outras classes de cotas de FIDC.
Encargos
Outra inovação importante é a possibilidade de o regulamento de fundos cuja classe seja destinada a investidores qualificados ou profissionais (classe restrita, na linguagem da nova Resolução) prever a existência de encargos que não estão previstos nos arts. 117 da parte geral da Resolução e 53 deste Anexo Normativo II.
Com essa permissão, para o FIDC cujas cotas sejam de classes restritas, e desde que o regulamento trate do tema de forma expressa, elimina-se a discussão sobre a lista taxativa prevista em norma, bem como a necessidade de determinadas despesas transitarem pelo administrador ou gestor, com as evidentes ineficiências e dificuldades operacionais.
Próximos passos
A Resolução CVM 175 revoga trinta e oito normas, inclusive de categorias de fundos de investimento ainda não reguladas nos anexos normativos da regra, que, por enquanto, tratam apenas dos FIF e dos FIDC.
A CVM informou que as categorias ainda não abrangidas nos anexos normativos serão incorporadas à Resolução antes do início de sua vigência, estabelecida para 03 de abril de 2023.
Os fundos de investimento que estejam em funcionamento antes desta data deverão adaptar-se à nova Resolução até 31 de dezembro de 2024, exceto pelos FIDCs, que deverão estar adaptados até 31 de dezembro de 2023.
Ações do Demarest
Este é o primeiro material elaborado pelo Demarest com o resumo das principais mudanças da nova regulamentação, e será complementado por outros, inclusive em matéria tributária. Outras iniciativas, como seminários, serão divulgadas. Nossa equipe multidisciplinar está à disposição para a realização de discussões específicas ou apresentações sobre qualquer aspecto da nova regulamentação.
A íntegra da Resolução CVM 175 pode ser acessada neste link.
***
1. Sobre o tema. Parecer de Orientação 40, Ofício Circular SIN 1/2018 e Ofício Circular SIN 11/2018.
2. Com essa previsão, classes de cotas oferecidas a investidores qualificados podem prever prazos superiores ao limite estabelecido.
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