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Mudanças na lei das sociedades anônimas podem potencializar a adoção desse tipo societário

30 de setembro de 2021

1. INTRODUÇÃO – ESCOLHA DO TIPO SOCIETÁRIO

A escolha entre adotar o tipo jurídico da sociedade anônima ou da sociedade limitada deve levar em conta as características próprias dessas sociedades, e os custos para o cumprimento de obrigações legais inerentes a cada uma acabam por ter peso relevante na decisão, fazendo com que empresas que poderiam se beneficiar de mecanismos próprios das sociedades anônimas escolham a estrutura menos custosa da sociedade limitada.

As companhias (ou sociedade anônimas – “SAs”) têm características que podem ser convenientes para a estruturação da atividade empresária, como a responsabilidade individual de cada sócio pela integralização do capital social e a possibilidade do capital autorizado[1] . Contudo, algumas obrigações, como a abertura e manutenção de livros societários e a publicação de atas, deixam sua estrutura mais onerosa e burocrática, sendo menos atrativa para pequenas e médias empresas.

Essa realidade pode ter sido alterada tanto pela Lei Complementar nº 182/2021[2], que instituiu o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, como pela Lei nº 14.195/2021 ,que ficou conhecida por sua origem na MP da melhoria do ambiente de negócios. Embora sejam leis com maior relevância, respectivamente, no âmbito do desenvolvimento de novas tecnologias e negócios disruptivos e no âmbito de abertura de negócios, elas também alteraram dispositivos da Lei das Sociedade Anônimas (Lei nº 6.404/76 – “LSA”) que podem possibilitar o aumento de empresas que adotem esse tipo jurídico.

2. SOCIEDADE ANÔNIMA – FLEXIBILIZAÇÕES

As alterações recentes servem para o âmbito societário geral e aumentam o potencial de empresas organizadas na forma de SA, sobretudo aquelas de capital fechado e com receita bruta anual de até R$ 78 milhões, que também é o valor máximo de faturamento para as empresas adotarem o regime de tributação pelo lucro presumido.

2.1. DIRETORIA

As primeiras flexibilizações dizem respeito aos diretores e se aplicam para todas as SAs.

O número mínimo obrigatório de diretores passou de 02 para 01. O ponto de atenção será a necessidade de a assembleia prontamente nomear um substituto em caso de impedimentos ou renúncia do único diretor, a fim de não comprometer o andamento dos negócios. Apesar de ser permitida a reeleição, o mandato do diretor nas SAs segue limitado a 3 (três) anos.

Ficou permitida agora a nomeação de diretor não residente no país, bastando somente a constituição de procurador com poderes para receber citações contra o diretor por até 3 anos após o término de seu mandato. A flexibilização do requisito da residência no país para ocupar cargo de administração em SAs já existia para o cargo de conselheiro de administração e agora então tal requisito permanece somente para o membro do conselho fiscal.

2.2. AMPLIAÇÃO DAS DISPENSAS LEGAIS

Até a vigência das alterações legais promovidas pela lei complementar acima, as SAs fechadas com menos de 20 acionistas e patrimônio líquido inferior a R$ 10 milhões estavam dispensadas de algumas publicações legais e podiam pagar participação nos lucros aos administradores mesmo sem pagar dividendo mínimo a seus acionistas.

Duas mudanças relevantes foram promovidas: a ampliação das sociedades abrangidas pela exceção legal e a ampliação das regras excetuadas. Agora, qualquer SA de capital fechado que tiver receita bruta anual até R$ 78 milhões, independentemente do patrimônio líquido e do número de acionistas, poderá:

  • realizar todas as publicações legais de forma eletrônica;
  • substituir seus livros sociais por registro eletrônicos ou mecanizados;
  • pagar participação no lucro a administradores mesmo sem pagar o dividendo obrigatório (mantida da redação anterior do artigo 294 da LSA); e
  • deliberar livremente sobre a distribuição de dividendos, não aplicando o artigo 202 da LSA.

2.2.1. PUBLICAÇÕES LEGAISA flexibilização das publicações legais para que sejam feitas somente de forma eletrônica se aplica especificamente às SAs fechadas com faturamento até R$ 78 milhões.

Contudo, a partir de 01/01/2022[3], as publicações legais de todas as SAs não precisarão mais ser feitas em Diário Oficial, que representa um dos principais custos de publicações das SAs, restando a obrigatoriedade de publicação apenas em jornal de grande circulação, de forma resumida em edição impressa e simultaneamente de forma íntegra na página eletrônica do mesmo jornal.

2.2.2. LIVROS SOCIAIS

A rotina de abertura e manutenção de livros sociais foi alterada para as companhias fechadas.

Nas companhias com faturamento anual até R$ 78 milhões, todo os livros podem ser substituídos por registros eletrônicos ou mecanizados. Nas com faturamento superior, mantém-se a exigência de livro físico de registro de atas de reunião do conselho de administração e de atas de reunião e pareceres do conselho fiscal, os demais livros podem ser substituídos por registros eletrônicos ou mecanizados.

2.2.3. DIVIDENDOS MÍNIMOS OBRIGATÓRIOS

Também houve inovação a respeito do dividendo mínimo obrigatório para as SAs fechadas com faturamento até R$ 78 milhões. Nessas companhias, será permitida a livre distribuição de dividendos sem observância do dividendo obrigatório legal[4], caso não haja previsão de dividendo mínimo obrigatório estatutário.

O artigo 202 da LSA representa uma segurança aos minoritários, pois condiciona a retenção de todo lucro pela sociedade ou a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório à ausência de oposição de qualquer acionista.

Logo, o tema deve ser um ponto de alerta aos minoritários de companhias fechadas que não tenham em seu estatuto social uma regra expressa sobre a distribuição de dividendo mínimo obrigatório.

Esta é uma alteração de grande relevância, pois o retorno do investimento dos minoritários por meio de dividendos fica menos certo, podendo ficar restrito à valorização das ações em si. Ainda que isso possa não ser um inconveniente nas startups e empresas dedicadas a negócios disruptivos, a nova regra vale para todas as companhias com faturamento menor de R$ 78 milhões, e pode se aplicar independentemente da área de atuação da empresa.

2.2.4. DIVIDENDOS DESPROPORCIONAIS

O tema não está claramente indicado na nova redação do artigo 294 da LSA.

É possível encontrar número expressivo de juristas indicando que os dividendos das SAs fechadas com até R$ 78 milhões de faturamento poderão passar a ser distribuídos desproporcionalmente à participação societária, conforme já é facultado para as sociedades limitadas em razão do artigo 1.007 do Código Civil. Essa posição parece advinda do resultado interpretativo do parágrafo quarto do art. 294 da LSA, em seu trecho “[os dividendos] serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no art. 202 desta Lei, […]”. Contudo, como não há autorização expressa do dispositivo legal, o trecho pode indicar

somente a liberdade de não pagar dividendos obrigatórios e, por ora, uma posição mais conservadora sobre o tema parece adequada.

2.2.5 PARTICIPAÇÃO NO LUCRO AOS ADMINISTRADORES

Como regra geral, os administradores das sociedades anônimas somente podem receber participação nos lucros no exercício em que os acionistas receberem os dividendos mínimos obrigatórios. Como mencionado acima, essa regra geral já podia ser excepcionada na companhia fechada com menos de 20 acionistas e patrimônio líquido inferior a R$ 10 milhões, e foi mantida como exceção, mas agora para as companhias fechadas com faturamento até R$ 78 milhões.

Essa exceção legal possibilita uma flexibilização que pode servir de mecanismo para retenção de executivos para as startups e empresas que não possam garantir remuneração fixa competitiva.

3. QUADRO-RESUMO

As flexibilizações acima podem ser visualizadas de forma resumida abaixo.

Flexibilizações NORMAS DA LSA
Para as SAs em geral Para as SAs fechadas

com receita até R$ 78 milhões

DIRETORIA 01     diretor que não precisa residir no Brasil

*até recentemente, o mínimo era 02 diretores residentes no Brasil

Publicações Legais Até 31/12/21: edição impressa em jornal de grande circulação + Diário Oficial Todas as publicações legais poderão ser realizadas de forma eletrônica

 

* recibos de entrega de convocação de assembleia deverão ser arquivados na Junta Comercial

A partir de 1/1/22: resumo em edição impressa de jornal de grande circulação + versão completa em edição eletrônica de jornal de grande circulação
Livros Sociais Poderão ser substituídos por registros mecanizados ou eletrônicos, exceto os livros de registro de atas do conselho de administração e do conselho fiscal Todos poderão ser substituídos por registros mecanizados ou eletrônicos
Dividendos Respeitar o mínimo obrigatório legal ou estatutário (art. 202 LSA) Distribuição livre pela assembleia sem obrigatoriedade de pagamento de mínimo

*respeitar o direito dos preferencialistas com dividendos fixos ou mínimos

Participação no lucro a administradores (art. 152, §1º, LSA) Somente se houver distribuição de dividendos obrigatórios Permitido mesmo sem pagamento de dividendos obrigatórios

 

4. CONCLUSÃO

Não obstante haja pontos para reflexão[5] e outras disposições das leis acima referenciadas que não foram abordadas[6], as alterações buscam adequar a LSA para a realidade social contemporânea e iniciativas nesse sentido são louváveis. A escolha do tipo societário e a elaboração do contrato ou estatuto social devem ser feitas considerando a estruturação desejada para cada empresa e suas peculiaridades. Para o acionista minoritário, passa a ser ainda mais essencial compreender essa estrutura no momento em que realiza o seu investimento.

Angelica Garcia Leite
Aprigliano Advogados

_____________________________

[1] O capital autorizado tende a agilizar o aumento do capital social quando de competência do conselho de administração.

[2] A Lei nº 14.195/2021 trouxe alterações para temas de diversas áreas, mas das alterações relativas à legislação societária, destacamos: (i) a extinção das empresas individuais de responsabilidade limitada, conhecidas como EIRELIs, as quais foram transformadas em sociedades limitadas unipessoais; (ii) facilitação para a abertura de empresas, como a unificação das inscrições fiscais no CNPJ e a possibilidade das SAS utilizarem o número de inscrição no CNPJ como nome empresarial; (iii) autorização legal para realizar assembleias por meio eletrônico e (iv) atribuição de voto plural para as ações de SAs, não superior a 10 votos por ação ordinária.

[3] Em razão da entrada em vigor de mudança legislativa publicada em 2019 (Lei nº
13.818/2019).

[4] 50% do lucro líquido ajustado, conforme art. 202 da LSA

[5] Como a transição do regime simplificado para o regime completo da LSA, quando a empresa ultrapassar num mesmo exercício social o limite de R$ 78 milhões de faturamento.

[6] O voto plural (ou múltiplo), novidade trazida pela Lei nº 14.195/2021, que afastou a norma geral one share one vote, certamente ainda será objeto de debate no mercado, assim como a distribuição desproporcional de lucros nas SAs. Acreditamos que amplos debates serão fundamentais nesse momento inicial.

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