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Ministério da Fazenda propõe alterações à Lei Concorrencial para lidar com mercados digitais

10 de outubro de 2024

Ministério da Fazenda propõe alterações à Lei Concorrencial para lidar com mercados digitais

Em 10 de outubro de 2024, o Ministério da Fazenda (MF) publicou um relatório e realizou uma coletiva de imprensa para discutir as inovações sobre a Lei Concorrencial (Lei nº 12.529/2011) aplicáveis às plataformas digitais. O relatório é resultado de uma consulta pública (Tomada de Subsídios SER/MF nº 01/2024) promovida pelo MF no começo de 2024.

O MF mencionou uma certa convergência dos respondentes da consulta pública acerca do papel do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em liderar a regulação concorrencial dos mercados digitais, mas ressaltou o papel importante da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no desenvolvimento do novo desenho institucional.

A consulta pública contou com 301 contribuições de 72 participantes, incluindo diversas empresas e autoridades estrangeiras.

Necessidade de ajustes à Lei Concorrencial

Parte dos respondentes apontaram a insuficiência da atual legislação concorrencial para lidar com questões envolvendo mercados digitais, inclusive com a problemática de monitoramento dos remédios concorrenciais aplicados pelo Cade.

O próprio Cade reconheceu a necessidade de ajustar a Lei Concorrencial para lidar com a situação. Dentre as preocupações concorrenciais suscitadas destacam-se práticas de exclusividade e de self-preferencing, a cobrança de preços abusivos para entrada em ecossistemas digitais, preços excessivos cobrados em função da posição de monopolista, killer acquisitions e práticas de alavancagem.

Em um ambiente em que a economia digital possui importância crescente no mundo, mais particularmente no Brasil, o advento de novos instrumentos legais para melhor regular a economia digital é um avanço bem-vindo, segundo o MF. Contudo, para que tais instrumentos legais sejam, de fato, benéficos, há de se equilibrar a necessidade de uma regulação apta a lidar com as preocupações concorrenciais sem ser demasiadamente onerosa e intrusiva às plataformas digitais.

Para tanto, foram propostas diversas alterações regulatórias, que exigirão maior debate e detalhamento. Nas palavras do MF, as propostas seriam bem equilibradas, com critérios bastante elevados a ponto de abarcar não mais que uma dezena de grandes plataformas.

Leia também: Lei de Defesa da Concorrência completa 10 anos

Propostas de mudança

As propostas de alteração da Lei Concorrencial são divididas em dois grupos: 

Grupo 1: Promoção de concorrência

Trata-se da criação de um novo instrumento para promover a concorrência em casos de plataformas com relevância sistêmica para mercados digitais. Suas principais medidas são:

1. Estabelecer procedimento para a designação, pelo Cade, de plataformas digitais sistemicamente relevantes.

  • A lei estabelecerá um rol de critérios qualitativos: presença em mercados de múltiplos lados; poder de mercado associado a efeitos de rede; integrações verticais em mercados relacionados; acesso a grandes volumes de dados pessoais e comerciais relevantes; oferta de múltiplos serviços digitais; e número significativo de usuários.
  • A lei estabelecerá critérios de faturamento mínimo, tanto em âmbito global quanto no Brasil. Empresas cujo faturamento seja inferior aos valores estabelecidos estarão isentas da designação de plataformas digitais sistemicamente relevantes.

2. Introduzir obrigações procedimentais e de transparência que poderão ser impostas às plataformas designadas a partir do momento da designação, a critério do Cade.

  • Notificação prévia de atos de concentração.
  • Regras de transparência para usuários finais e profissionais sobre informações comerciais relevantes para uso e oferta de serviços e produtos.
  • Dever de informar a usuários finais e profissionais sobre alterações nos termos de uso ou serviço oferecidos.

3. Estabelecer procedimento para que o Cade investigue as plataformas designadas e defina, caso a caso e na medida do necessário, as obrigações substantivas específicas a essas empresas.

  • A lei estabelecerá um rol de obrigações que poderão ser impostas pelo Cade, conferindo flexibilidade a cada caso.
  • O cumprimento das obrigações pode ser especificado em relação a produtos e serviços específicos.
  • Inversão de ônus da prova: a comprovação com justificativa objetiva recai sobre o agente designado.

4. Implementar a nova ferramenta pró-competitiva, sob responsabilidade de uma unidade especializada no Cade.

  • Esta unidade será responsável por monitorar mercados digitais, nomear agentes econômicos, estabelecer e monitorar obrigações e investigar possíveis violações.
  • Os processos de designação e definição de obrigações serão submetidos ao Tribunal do Cade.

5. Implementar obrigações substantivas em cooperação com reguladores, como a Anatel e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), quando necessário, em função de aspectos técnicos e setoriais específicos.

  • Reguladores como a Anatel e a ANPD poderão ser envolvidos no desenho, implementação e monitoramento das obrigações específicas definidas após investigação dos agentes designados.

6. Fortalecer as competências do Cade para a realização de estudos de mercado, conferindo a ele poderes para requerer informações e analisar um determinado setor ou indústria.

  • A ferramenta possibilitará ao Cade realizar uma análise proativa das dinâmicas competitivas em diversos setores, permitindo identificar e abordar problemas sistêmicos de concorrência.
  • Os resultados informarão acerca do trabalho realizado pelo Cade nas funções de antitruste clássicas, advocacia da concorrência e novo mandato sobre plataformas.

7. Criar um fórum de cooperação interinstitucional entre o Cade e outros órgãos federais (como Anatel, ANPD, Secretária Nacional do Consumidor – Senacon), para temas relacionados aos mercados digitais.

  • O fórum para troca de informações entre órgãos federais permitirá respostas mais ágeis e economia de recursos.

Grupo 2: ferramentas de antitruste

Consiste em ajustes na aplicação das ferramentas de antitruste às plataformas em geral. Suas principais medidas são:

1. Atualizar as ferramentas de análise antitruste para aprimoramento contínuo do arcabouço analítico utilizado pelo Cade ao identificar e avaliar riscos competitivos, incluindo novas teorias do dano.

  • A inclusão da análise de redes e ecossistemas em suas ferramentas de investigação seria fundamental, pois permite avaliar a interdependência entre os agentes em mercados de múltiplos lados e a importância dos efeitos de rede na definição dos mercados relevantes e de poder de mercado.
  • Essa atualização visa ao desenvolvimento de teorias do dano que melhor capturem as nuances das dinâmicas competitivas presentes em plataformas digitais.

2. Revisar o formulário de notificação de atos de concentração do Cade, incluindo questões específicas sobre os modelos de negócio de plataformas digitais.

  • As questões permitirão a coleta de dados relevantes para a identificação de efeitos de rede e a avaliação de teorias do dano específicas para plataformas digitais, tais como dados sobre o número de usuários, a interoperabilidade entre plataformas, os tipos de dados coletados e seu uso para fins de diferenciação de produtos ou serviços, entre outros.

3. Considerar a adoção do rito ordinário para casos de atos de concentração envolvendo grandes plataformas digitais com elevado número de usuários, quando atenderem aos critérios de faturamento bruto estabelecidos na lei para notificação prévia obrigatória.

  • A necessidade do rito ordinário será baseada na avaliação das informações recebidas por meio do formulário de notificação.
  • Será realizada uma análise mais aprofundada dos casos para compreender melhor as particularidades das dinâmicas concorrenciais que envolvem as plataformas digitais.

4. Fazer uso, quando necessário, da flexibilidade prevista no artigo 88, §7º da Lei nº 12.529/2011, para requerer a submissão de atos de concentração que não se encaixam nos critérios formais de notificação, mas apresentam riscos à concorrência.

  • Operações envolvendo plataformas que, embora não se encaixem nos critérios para notificação prévia obrigatória nem nos critérios de designação de que trata o novo instrumento específico, podem oferecer riscos à concorrência.
  • Especialmente importante em casos em que envolvem a integração vertical entre plataformas digitais ou a ampliação do acesso aos dados substanciais para a concorrência.

5. Atualizar os valores de faturamento para notificação prévia de atos de concentração estabelecidos nos incisos I e II do caput do artigo 88 da Lei nº 12.529/2011.

  • Isso permite que o Cade concentre seus esforços na análise de operações com maior potencial de impactar a concorrência.

A equipe de Concorrencial do Demarest segue monitorando as discussões e os próximos passos das propostas de regulamentação e permanece à disposição para fornecer esclarecimentos.