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Client Alert

Marco Legal do Hidrogênio Verde – Perspectivas Ambientais e Tributárias

10 de setembro de 2024

Recentemente, foi instituída a Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono por meio da Lei Federal nº 14.948/2024, prevendo objetivos, princípios e incentivos para essa indústria, além de criar o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) e o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC).

Nosso escritório publicou Client Alert sobre o tema, apontando as principais medidas instituídas com a nova política, que busca regulamentar a produção e o fomento da pesquisa e o desenvolvimento do combustível renovável no Brasil.

A norma foi criada com base em princípios ambientais e ferramentas de mercado, que incluem benefícios fiscais, inclusive. Destacamos abaixo os principais dispositivos da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, considerando as perspectivas ambientais e tributárias:

 

A Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono foi instituída com base em diversos princípios do desenvolvimento sustentável, como:

  • o respeito à neutralidade tecnológica na definição de incentivos para produção e usos do hidrogênio de baixa emissão de carbono;
  • a inserção competitiva do hidrogênio de baixa emissão de carbono na matriz energética brasileira para sua descarbonização;
  • a previsibilidade na formulação de regulamentos e na concessão de incentivos para expansão do mercado;
  • o aproveitamento racional da infraestrutura existente dedicada ao suprimento de energéticos; e
  • o fomento à pesquisa e desenvolvimento do uso do hidrogênio de baixa emissão de carbono.

 

Além disso, alguns de seus objetivos são:

  • promover o desenvolvimento sustentável e ampliar o mercado de trabalho das cadeias produtivas do hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados;
  • proteger o meio ambiente, promover a conservação de energia e mitigar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e de poluentes nos consumos energético e industrial; e
  • promover, em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação do hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados na matriz energética nacional.

 

Tipos de hidrogênio ou outros produtos:

  • Hidrogênio de baixa emissão de carbono: hidrogênio combustível ou insumo industrial coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção e que possua emissão de GEE, conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial menor ou igual a 7 kgCO2eq/kgH2 (sete quilogramas de dióxido de carbono equivalente por quilograma de hidrogênio produzido).
  • Hidrogênio renovável: hidrogênio de baixa emissão de carbono, combustível ou insumo industrial coletado como hidrogênio natural ou obtido a partir de fontes renováveis, incluindo o hidrogênio produzido a partir de biomassa, etanol e outros biocombustíveis, bem como hidrogênio eletrolítico, produzido por eletrólise da água, usando energias renováveis, tais como solar, eólica, hidráulica, biomassa, etanol, biogás, biometano, gases de aterro, geotérmica e outras a serem definidas pelo poder público.
  • Hidrogênio verde: hidrogênio produzido por eletrólise da água, utilizando fontes de energia renováveis nos mesmos termos previstos do hidrogênio renovável, sem prejuízo de outras que venham a ser reconhecidas como renováveis.
  • Derivados de hidrogênio: produtos de origem industrial que tenham o hidrogênio, coletado ou obtido nas formas previstas no art. 4º da lei, como insumo no processo produtivo.

 

Quem poderá exercer as atividades?

As atividades de produção de hidrogênio, seus derivados e carreadores poderão ser exercidas por empresas ou consórcios de empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no Brasil, que tenham obtido autorização do órgão regulador competente, no caso, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), respeitadas as atribuições das demais agências reguladoras conforme as fontes utilizadas no processo de produção.

A ANP também deverá regular, autorizar e fiscalizar o exercício da atividade de exploração e de produção de hidrogênio natural no território nacional, devendo, inclusive, estabelecer as modalidades de outorga que serão praticadas para fins de exploração e produção de hidrogênio natural no território nacional.

Ademais, a ANP deverá autorizar atividades relacionadas ao carregamento, ao processamento, ao tratamento, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao acondicionamento, ao transporte, à transferência, à revenda.

 

PERSPECTIVAS AMBIENTAIS

Quais as medidas de gerenciamento de riscos previstas na Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono?

Os empreendimentos e atividades deverão adotar medidas para gestão de risco de acidentes ou desastres, por meio dos seguintes instrumentos:

  • Estudo de Análise de Risco (EAR), parte integrante do estudo ambiental que contempla a avaliação da vulnerabilidade do empreendimento e da região em que está localizado, incluídos técnicas de identificação de perigos, estimativas de frequência de ocorrências anormais e gerenciamento de riscos.
  • Plano de Gerenciamento de Risco (PGR), documento que descreve como o gerenciamento de risco do empreendimento será executado, monitorado e controlado.
  • Plano de Ação de Emergência (PAE), documento integrante do Plano de Gerenciamento de Risco do empreendimento que estabelece as ações a serem executadas pelo empreendedor em caso de emergência, e que identifica os agentes a serem dela notificados.

Os requisitos e os critérios para elaboração dos instrumentos acima serão definidos em regulamento, inclusive considerando a atuação dos órgãos ambientais.

 

Quais os instrumentos ambientais da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono que serão implementados?

A política prevê os seguintes instrumentos para a implementação da Política:

Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2): terá competências, diretrizes e atribuições instituídas em regulamento e em diretrizes do Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CNPE), que deverão incluir a execução da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono. O PNH2, formado por um Comitê Gestor (Coges-PNH2), deverá estabelecer as diretrizes para execução da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono; incentivar o desenvolvimento da indústria do hidrogênio de baixa emissão de carbono; e expedir a orientação superior das políticas de produção e usos e aplicações do hidrogênio.

 

Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC): ele não foi regulamentado na Lei, apesar de haver previsão no Projeto de Lei (PL) nº 2.308/2023, tendo sofrido veto presidencial. Inicialmente, o PL havia previsto que o PHBC teria natureza contábil e financeira e que a sua finalidade principal seria de constituir fonte de recursos para a transição energética por meio do crédito fiscal, precedido de procedimento concorrencial, na comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados produzidos no território nacional, observadas as diretrizes da política. Também havia previsão para a elegibilidade dos créditos e o limite (em valor).

No momento, aguarda-se a regulamentação sobre o tema, que é objeto do PL nº 3.027/2024, que busca instituir o PHBC, tendo sido apresentado na Câmara dos Deputados em 02 de agosto de 2024.

 

Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2): busca promover a utilização do hidrogênio de forma sustentável a partir das informações contidas em certificado emitido por empresa certificadora, atestando a intensidade de emissões relacionadas ao hidrogênio produzido no território nacional. O sistema será de adesão voluntária pelos produtores nacionais e poderá ser utilizado para fins de reporte e de divulgação.

A norma estabelece o certificado de hidrogênio como o “documento emitido exclusivamente por empresa certificadora credenciada, como resultado do processo de certificação de hidrogênio, que deve incluir, pelo menos, as características contratuais dos insumos empregados, a localização da produção, as informações sobre o ciclo de vida e a quantidade de dióxido de carbono equivalente emitida, como resultado do processo de certificação de hidrogênio.”

O sistema deverá contar com toda uma estrutura envolvendo:

    • autoridade competente, que será a instância responsável por estabelecer as diretrizes de políticas públicas relacionadas à certificação do hidrogênio no território nacional;
    • autoridade reguladora;
    • empresa certificadora;
    • instituição acreditadora;
    • gestora de registros;
    • produtor; e
    • comprador

Já para a utilização de hidrogênio importado, o processo de reconhecimento da certificação adotada no território de origem deverá ser estabelecido em regulamento.

Os certificados serão gerados por empresas certificadoras, que poderão ser privadas, desde que credenciadas pela instituição acreditadora. Essas instituições acreditadoras possuirão as seguintes competências:

    • estabelecer os procedimentos para o credenciamento das empresas certificadoras;
    • proceder ao credenciamento das empresas certificadoras, por ato administrativo próprio ou mediante instrumento específico;
    • disponibilizar e manter atualizada a relação de empresas certificadoras credenciadas em sítio eletrônico; e
    • auditar os certificados de hidrogênio emitidos pelas empresas certificadoras.

A gestora dos registros, por outro lado, será responsável pela gestão de dados dos registros de certificados e deverá realizar o registro, a guarda, a contabilização e a disponibilização das informações dos certificados emitidos para fins de auditoria, devendo, para isso, manter um sistema informatizado e plataforma eletrônica pública de acesso à base de dados, garantindo aos compradores a verificação da autenticidade do registro do certificado de hidrogênio emitido.

Para a emissão dos selos de hidrogênio verde produzido no Brasil, as empresas certificadoras deverão obedecer às normas estabelecidas, devendo ter como referência o Padrão Brasileiro para Certificação do Hidrogênio (PBCH2), que deverá contar com a seguinte informação:

    • o modelo de cadeia de custódia que será adotado;
    • o escopo das emissões de GEE que será considerado;
    • as fronteiras do sistema de certificação;
    • as unidades certificáveis que serão reportadas no certificado;
    • os critérios para suspensão dos certificados de hidrogênio emitidos;
    • os critérios para cancelamento dos certificados de hidrogênio emitidos;
    • os instrumentos de flexibilidade que poderão ser adotados em casos de perda temporária de especificação do hidrogênio; e
    • a informação sobre emissão negativa no processo produtivo, quando couber.

Mecanismos de interoperabilidade e harmonização com padrões internacionais de certificação deverão ser criados pela autoridade reguladora, a fim de que os certificados possam ser objeto de importação.

 

PERSPECTIVAS TRIBUTÁRIAS

Sob a perspectiva tributária, foi criado o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), por meio dos arts. 26 a 29 de Lei nº 14.948/2024, o qual será um dos principais incentivos ao setor de hidrogênio estabelecidos na Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, tendo como finalidade fomentar o desenvolvimento tecnológico e industrial, a competitividade e a agregação de valor nas cadeias produtivas nacionais. Os incentivos terão vigência de cinco anos, a partir de 1º de janeiro de 2025.

Os incentivos fiscais concedidos às empresas habilitadas no Rehidro são os previstos nos arts. 3º, 4º e 5º da Lei nº 11.488/2007 e no art. 2º da Lei nº 12.431/2011 relativamente às debêntures emitidas por beneficiário do Rehidro destinadas à captação de recursos com vistas a implementar ou a expandir projetos relacionados às atividades beneficiadas pelo Rehidro.

 

Quais os benefícios fiscais?

No primeiro caso (arts. 3º, 4º e 5º da Lei nº 11.488/2007), concedem-se incentivos fiscais às empresas habilitadas no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (“REIDI”). Em resumo, esses incentivos consistem em suspensões de PIS/Cofins ou PIS/Cofins-importação nas aquisições locais e importações de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos, novos, e de materiais de construção para utilização ou incorporação em obras de infraestrutura destinadas ao ativo imobilizado da empresa ou de serviços destinados a obras de infraestrutura para incorporação ao ativo imobilizado da empresa.

Também são beneficiadas as empresas com as referidas suspensões às operações de aluguel de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos para utilização em obras de infraestrutura. A Lei nº 14.948/2024 não esclarece em detalhe como os incentivos previstos no REIDI serão aplicados às empresas habilitadas no Rehidro, especialmente no que se refere às aquisições de serviços (ou seja, se os benefícios se aplicam apenas aos serviços destinados à obra de instalação da empresa ou também a outros serviços necessários à sua operação).

O art. 2º da Lei nº 12.431/2011, por sua vez, dispõe que os rendimentos obtidos com debêntures emitidas por sociedade de propósito específico, constituída sob a forma de sociedade por ações, com certificados de recebíveis imobiliários e com cotas de emissão de fundo de investimento em direitos creditórios, constituídos sob a forma de condomínio fechado, relacionados à captação de recursos com vistas em implementar projetos de investimento na área de infraestrutura, ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, considerados como prioritários na forma regulamentada pelo Poder Executivo federal, ficam sujeitos à incidência do imposto sobre a renda, exclusivamente na fonte, à alíquota de 0%, quando auferidos por pessoa física, ou de 15%, quando auferidos por pessoa jurídicas, desde que tanto as pessoas físicas quanto as jurídicas sejam residentes ou domiciliadas no Brasil.

 

Em princípio, podem se habilitar no Rehidro as empresas que produzam hidrogênio de baixa emissão de carbono. Além disso, também podem ser habilitadas as empresas que:

  • exerçam atividade de acondicionamento, armazenamento, transporte, distribuição ou comercialização de hidrogênio de baixa emissão de carbono;
  • dediquem-se à geração de energia elétrica renovável para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono e atendam aos critérios previstos na Lei nº 14.948/2024; ou
  • dediquem-se à produção de biocombustíveis (etanol, biogás ou biometano) para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono.

 

Empresas instaladas em Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) também podem se habilitar no Rehidro.

Os requisitos para a habilitação de empresas ao Rehidro são os seguintes:

  • percentual mínimo de utilização de bens e serviços de origem nacional no processo produtivo, dispensada a exigência quando inexistir equivalente nacional ou quando a quantidade produzida for insuficiente para atendimento da demanda interna;
  • investimento mínimo em pesquisa, desenvolvimento e inovação; e
  • investimento mínimo em projetos de desenvolvimento sustentável de transição energética localizados no País.

Os montantes e percentuais mínimos mencionados acima serão definidos em regulamento a ser editado pelo Poder Executivo.

 

Por fim, vale ressaltar que, além dos instrumentos ambientais e tributários mencionados, a norma ainda prevê outros dois, pendentes de regulamentação:

  1. Cooperação Técnica e Financeira entre os Setores Público e Privado para o Desenvolvimento de Pesquisas de Novos Produtos, Métodos, Processos e Tecnologias para Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono; e
  2. Incentivos Fiscais, Financeiros, Creditícios e Regulatórios Legalmente Instituídos.

 

A norma entrou em vigor na data de sua publicação, em 02 de agosto de 2024 e prevê a convalidação das autorizações para o exercício da atividade de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados, mediante análise de conformidade do órgão regulador competente que deverá ser realizada em até 180 dias após a data de publicação da norma.

As equipes de Ambiental, Energia e Recursos Naturais e Tributário do Demarest permanecem à disposição para auxiliar clientes e parceiros com os esclarecimentos necessários sobre o tema.