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Lei do “Combustível do Futuro” é sancionada

9 de outubro de 2024

Lei do Combustível do Futuro é sancionada

Em 8 de outubro de 2024, foi sancionada a Lei nº 14.993, originária do Projeto de Lei nº 528/2020, conhecido como Projeto de Lei do “Combustível do Futuro”.

A nova normativa cria programas nacionais de incentivo ao uso de combustíveis de origem renovável, dispõe sobre as atividades de captura e estocagem de dióxido de carbono (CO2), estabelece medidas para promover a descarbonização, além de alterar os percentuais de mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel, respectivamente.

Entenda as principais mudanças trazidas pela Lei do Combustível do Futuro.

Mobilidade sustentável de baixo carbono

A Lei nº 14.933/2024 buscou integrar as iniciativas e medidas adotadas no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Programa Mover), do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV) e do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve), a fim de promover a mobilidade sustentável de baixo carbono.

Nesse ponto, foi estabelecido que a integração entre o RenovaBio, o Programa Mover e o PBEV seria realizada por meio da metodologia de análise de ciclo de vida, com o objetivo de mitigar as emissões de CO2 e proporcionar um custo-benefício melhor. Assim, seriam empregados os seguintes conceitos:

  • Ciclo do poço à roda até 31 de dezembro de 2031: definido como o ciclo de vida que contabiliza o consumo energético envolvido no uso de veículos leves e pesados dentro de um ciclo de uso padronizado.
  • Ciclo do berço ao túmulo até de janeiro de 2032: definido como o ciclo de vida que considera as emissões de gases de efeito estufa (GEE) incorporadas ao ciclo do poço à roda, acrescidas daquelas geradas desde a extração de recursos e na fabricação de autopeças, na montagem e no descarte dos veículos leves e pesados de passageiros e comerciais.

Já com relação ao cumprimento das metas do Programa Mover, ficou definido que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) fixará os valores de Intensidade de Carbono da Fonte de Energia (ICE) e a participação dos combustíveis líquidos ou gasosos ou da energia elétrica. A ICE é a relação entre a emissão de GEE, com base em avaliação do ciclo de vida, computada no processo produtivo do combustível ou fonte energética e seu uso. Essa relação é expressa em gramas de dióxido de carbono equivalente por megajoule (gCO2e/MJ).

O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) ficará responsável por definir as metas do Programa Mover sobre o consumo energético em MJ/km e a emissão de dióxido de carbono equivalente (CO2e) no ciclo de vida corporativo em CO2e/km, assim como fiscalizará o seu cumprimento com base nos valores de ICE.

A norma ainda dispõe que o PBEV divulgará para o consumidor as informações das emissões de GEE de cada veículo com base na análise do ciclo de vida aplicável e no consumo energético com base no ciclo do tanque à roda, por veículo.

Programas nacionais

Dentre as novidades trazidas pela Lei do Combustível do Futuro, destaca-se a instituição de três programas visando à promoção da mobilidade sustentável de baixo carbono:

Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV)

O ProBioQAV tem o objetivo de incentivar a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso energético do combustível sustentável de aviação (SAF) na matriz energética brasileira.

Competência da ANP

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) ficou responsável por estabelecer os valores das emissões totais equivalentes por unidade de energia computados no ciclo do poço à queima de cada rota tecnológica de produção de SAF, para contabilizar a descarbonização em face do querosene de aviação fóssil.

O ciclo do poço à queima é definido pela nova lei como o ciclo de vida que contabiliza as emissões de GEE oriundas dos processos de cultivo e extração de recursos e da produção dos combustíveis líquidos ou gasosos ou da energia elétrica, sua distribuição e utilização em aeronaves. O artigo 8º da Lei nº 14.993/2024 estabelece as diretrizes a serem observadas pela ANP para analisar este ciclo.

Comercialização, logística e uso

As atividades de comercialização e de logística e o uso energético de SAF deverão observar:

  • a otimização logística na distribuição e no uso de SAF; e
  • a busca pela adoção de mecanismos baseados em mercado.

Percentuais de redução de emissão

A Lei do Combustível do Futuro estabeleceu percentuais mínimos de redução das emissões de GEE por meio do uso de SAF. Eles devem ser observados pelos operadores aéreos, a partir de determinadas datas, no âmbito de suas operações domésticas:

Percentual de redução a ser observado Data
1% A partir de 01/01/2027
2% A partir de 01/01/2029
3% A partir de 01/01/2030
4% A partir de 01/01/2031
5% A partir de 01/01/2032
6% A partir de 01/01/2033
7% A partir de 01/01/2034
8% A partir de 01/01/2035
9% A partir de 01/01/2036
10% A partir de 01/01/2037

 

A base de cálculo sobre a qual as reduções de emissão deverão ser computadas será definida a partir do volume das emissões decorrentes das operações domésticas realizadas pela empresa aérea no ano corrente, supondo que todas as operações tivessem utilizado combustível fóssil.

Contudo, a Lei nº 14.993/2024 também prevê que:

  • Poderão ser admitidos meios alternativos para cumprir a meta.
  • O CNPE poderá alterar os percentuais a qualquer tempo, por motivo justificado de interesse público, de modo que, após a normalização das condições que motivaram a alteração, os referidos percentuais sejam restabelecidos.

Em caso de imposição de obrigações relativas ao uso de SAF por parte de países ou conjunto de Estados estrangeiros aos operadores aéreos nacionais, a obrigatoriedade de redução prevista na Lei nº 14.993/2024 (ou obrigação similar à imposta pelos países estrangeiros) poderá ser estendida a voos de operadores aéreos internacionais com passagem pelo território nacional, com base no princípio da reciprocidade, mediante determinação do CNPE e posterior regulamentação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

A Anac ficará responsável por:

  • estabelecer a metodologia de cálculo de verificação da redução de emissões associadas ao uso de SAF e de outros meios alternativos; e
  • fiscalizar o cumprimento das obrigações de redução pelos operadores aéreos.

Dispensa de redução de emissão

Caberá à ANAC dispensar o cumprimento das obrigações de redução de emissão para as operadoras aéreas:

  • com emissões anuais inferiores à definida em regulação da Anac; e
  • sem acesso a SAF em nenhum dos aeroportos em que operem.

Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV)

O propósito do PNDV é incentivar a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso energético do diesel verde (produzido a partir de matérias-primas exclusivamente derivadas de biomassa renovável) na matriz energética brasileira. 

Participação volumétrica mínima

Caberá ao CNPE estabelecer, anualmente, a participação volumétrica mínima obrigatória de diesel verde em relação ao diesel comercializado ao consumidor final, de forma agregada no território nacional. Essa participação obrigatória não poderá exceder o limite de 3%. No entanto, será permitida a adição voluntária de diesel verde superior a esse limite.

Percentual de adição

A ANP ficará responsável por definir o percentual de adição obrigatória de diesel verde, em volume, ao diesel comercializado ao consumidor final, a fim de garantir a participação mínima obrigatória de forma agregada. Para tanto, a ANP deverá observar:

  • a otimização logística na distribuição e no uso do diesel verde; e
  • a busca pela adoção de mecanismos baseados em mercado.

Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano

Este programa tem a finalidade de incentivar a pesquisa, a produção, a comercialização e o uso do biometano e do biogás na matriz energética brasileira com vistas à descarbonização do setor de gás natural. Seus objetivos incluem:

  • Estimular a produção e o consumo do biometano e do biogás por meio de projetos relacionados à cadeia de produção;
  • Incentivar a fabricação, comercialização, aquisição e utilização de veículos pesados e máquinas agrícolas e outros veículos movidos a metano, bem como a conversão de veículos movidos a outros combustíveis para metano, e a substituição de motor a diesel usado em veículo por motor novo movido a metano; e
  • Fomentar projetos de infraestrutura que permitam a conexão de plantas de produção de biometano com as redes de distribuição e transporte de gás natural, desde que sejam economicamente viáveis.

Meta anual de redução

Caberá ao CNPE definir a meta anual de redução de emissões de GEE no mercado de gás natural comercializado, autoproduzido ou autoimportado destinada aos produtores e importadores de gás natural, a ser cumprida pela participação do biometano no consumo do gás natural. Essa obrigação entrará em vigor em 1º de janeiro de 2026, com valor inicial de 1%, que não poderá exceder 10% de redução das emissões.

Em regime de exceção, o CNPE poderá alterar o percentual anual de redução de emissões de GEE (inclusive para valor inferior a 1%) por motivo justificado de interesse público ou quando o volume de produção de biometano impossibilitar ou onerar excessivamente o cumprimento da meta. O percentual deverá ser reestabelecido após a normalização das condições que motivaram a sua alteração.

Cumprimento da meta e certificação

O cumprimento da meta de redução será comprovado por meio da compra ou utilização de biometano no ano civil ou pelo registro anual da aquisição de Certificado de Garantia de Origem de Biometano (CGOB), conforme diretrizes a serem estabelecidas pelo CNPE.

Nos termos da Lei nº 14.993/2024, o CGOB será concedido ao produtor ou ao importador de biometano que atender individualmente aos parâmetros definidos em futuro regulamento, o qual deverá dispor sobre a emissão, o vencimento, a intermediação, a custódia, a escrituração, a negociação, a aposentadoria e demais aspectos relacionados ao CGOB.

Atribuições da ANP:

  • estabelecer a metodologia de cálculo de verificação da redução de emissões associadas à utilização do biometano;
  • definir os agentes obrigados com base no volume total de gás natural comercializado, de modo a garantir que a redução de GEE ocorra com o melhor custo-efetividade; e
  • fiscalizar o cumprimento das obrigações de redução de emissões pelos produtores ou importadores de gás natural.

Multa

O agente que não atender à meta anual de redução de GEE estará sujeito à multa superior ao benefício auferido com o descumprimento, a qual poderá variar entre R$ 100 mil e R$ 50 milhões.

Captura e estocagem de CO2

A Lei do Combustível do Futuro também dispôs sobre as atividades de captura de dióxido de carbono para fins de estocagem geológica e transporte por meio de dutos. 

O artigo 29 da lei, em especial, estabelece as obrigações a serem observadas pelos operadores de estocagem geológica de CO2. As novas regras, no entanto, não abarcam a atividade de injeção e armazenamento de CO2 para fins de recuperação avançada de hidrocarbonetos de reservatório geológico sob contrato para exploração e produção de hidrocarbonetos. 

Compreenda as principais disposições sobre o assunto.

Regime de autorização

Conforme destacado pela normativa, as atividades serão exercidas por meio de autorização a ser emitida pela ANP, que editará normas sobre a habilitação dos interessados para o exercício das atividades, e sobre as condições para emissão da autorização e sua transferência de titularidade.

Prazo

As autorizações terão prazo de 30 anos, prorrogáveis por igual período caso sejam cumpridas as condicionantes estabelecidas no termo a ser celebrado pelas partes. O prazo poderá ser alterado pelo Poder Executivo em razão de interesse público relevante.

Regulação das atividades

A ANP detém a competência para fiscalizar e regular as atividades de captura de CO2 para a estocagem geológica, seu transporte por meio de dutos e a estocagem geológica propriamente dita. A Lei nº 14.993/2024 estabelece que, no caso de áreas sob contrato, a ANP deverá ouvir o detentor de direitos de exploração e produção antes de conceder a autorização.

Os interessados em obter a autorização terão acesso aos dados técnicos públicos das bacias sedimentares a fim de proceder com a análise, os estudos e a identificação de áreas com potencial para estocagem geológica.

Lei do Combustível do Futuro e alterações em outras leis

A Lei nº 14.993/2024 também alterou disposições de outras normas vigentes, apresentadas a seguir.

Lei do Petróleo (Lei nº 9.487/1997)

CNPE

Novas competências ao CNPE, incluindo a possibilidade de estabelecer:

  • diretrizes para a regulação e a fiscalização da captura e da estocagem geológica de CO2; e
  • diretrizes e metas para programas específicos, compreendendo os de uso do biogás e biometano.

Mudança de definições

Alteração nas definições de “biocombustível”, “etanol” e “bioquerosene de aviação” (que se torna agora “combustível sustentável de aviação”), além da inclusão das definições de “biogás”, “biometano”, “combustível sintético”, “área não contratada” e “área sob contrato”.

ANP

A ANP atuará como órgão regulador da indústria dos combustíveis sintéticos, da captura e da estocagem geológica de dióxido de carbono. A Lei nº 14.993 também adequou as atribuições da ANP a fim de abarcar expressamente os combustíveis sintéticos e a captura geológica de dióxido de carbono.

Petrobras

A Petrobras está autorizada a incluir no seu objeto social as atividades vinculadas à energia, bem como as atividades relacionadas à movimentação e à estocagem de dióxido de carbono, à transição energética e à economia de baixo carbono.

Lei do Abastecimento Nacional de Combustíveis (Lei nº 9.847/1999)

Fiscalização

Ampliação da competência de fiscalização da ANP para englobar expressamente as atividades relativas às indústrias dos combustíveis sintéticos e da captura e da estocagem geológica de CO2.

Penalidades

Ajuste das disposições de penalidade para mencionar expressamente as atividades relacionadas aos combustíveis sintéticos e à captura e estocagem geológica de CO2.

Lei nº 8.723/1993

A Lei nº 14.993/2024 altera o percentual obrigatório de adição de álcool etílico anidro combustível à gasolina, de 22% para 27%. Adicionalmente, ampliou a discricionariedade do Poder Executivo para elevar esse percentual até o limite de 35% (antes só era possível até 27,5%) ou reduzi-lo a 22% (antes só era possível até 18%).

A nova lei também prevê que o Poder Executivo estabeleça os critérios para consideração do percentual de adição de álcool etílico anidro à gasolina vigente no cálculo de informações de desempenho energético divulgadas pelo Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV).

Lei nº 13.033/2014

A Lei nº 14.993/2024 altera metas de percentuais de adição obrigatória de biodiesel ao óleo diesel vendido ao consumidor final, conforme abaixo:

Disposições anteriores referentes aos % de adição obrigatória   Novas disposições referentes aos % de adição obrigatória
8%, em até 12 meses após a data de promulgação da Lei nº 13.033/2014.   15%, a partir de 01/03/2025
9%, em até 24 meses após a data de promulgação da Lei nº 13.033/2014.   16%, a partir de 01/03/2026
10%, em até 36 meses após a data de promulgação da Lei nº 13.033/2014.   17%, a partir de 01/03/2027
    18%, a partir de 01/03/2028
    19%, a partir de 01/03/2029
    20%, a partir de 01/03/2030

 

As alterações ainda permitem que o CNPE, ao avaliar a viabilidade das metas, fixe o percentual obrigatório de adição de biodiesel ao óleo diesel comercializado em todo o território nacional entre os limites de 13% e 25%.

Para mais informações, acesse a Lei nº 14.993/2024 na íntegra.

As equipes de Petróleo e Gás, de Energia e Recursos Naturais e de Ambiental do Demarest estão à disposição para prestar esclarecimentos adicionais.