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Lei de Defesa da Concorrência completa 10 anos

26 de agosto de 2022

Após 10 anos em vigor, qual balanço podemos fazer da efetividade da Lei de Defesa da Concorrência (lei nº 12.529/11), que reestruturou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autoridade responsável pela defesa da concorrência no Brasil? 

Para responder a essa pergunta é necessário regredir e olhar para o cenário anterior à sua promulgação, que segundo Paola Pugliese, sócia da área de Concorrencial do Demarest, ocorreu em uma longa jornada antitruste entre a lei de 1994 (Lei 8.884/94) e a “nova lei do Cade”.

O antes da nova Lei de Defesa da Concorrência 

“Naqueles primeiros 18 anos, as operações de fusões e aquisições de empresas (operações de M&A) não precisavam aguardar o aval do Cade para fechar. Com isso, o órgão ficava de mãos atadas em relação àquelas operações que eram lesivas à concorrência, mas que chegavam ao conhecimento dele quando já haviam sido implementadas. Era impossível a ele ‘desfazer ovos mexidos’ e um efeito colateral muito danoso desse sistema era a ausência de uma pressão de prazo”, comenta.

Assim, na década de 90 e início da década de 2000 era comum que o Cade tomasse mais de dois anos para aprovar operações simples, que haviam sido submetidas à sua análise. Impossibilitados de mudar a legislação, mas ciosos da sua missão institucional, os membros do Cade foram criando mecanismos que tentavam trazer os casos cada vez mais cedo ao seu conhecimento e assegurar, na medida do possível, a eficácia das decisões tomadas.

Para isso, o Cade passou a obrigar as partes a submeterem as operações em até 15 dias úteis a partir da assinatura do “primeiro documento vinculativo” assinado entre elas, sob pena de pesadas multas.

Uma vez que o caso era submetido à aprovação e o Cade percebia que ele embutia riscos à concorrência, o órgão passou a chamar as partes para fazer acordos que visavam evitar que o fechamento das transações se tornasse irreversível. Esses acordos eram chamados de APROs (Acordos de Preservação da Reversibilidade de Operação) e versavam sobre assuntos operacionais — como fechamento de plantas, demissão de funcionários, rescisão de contratos etc. — que o Cade negociava com as partes para evitar que acontecessem até a decisão final.   

Esses mecanismos de mitigação, apesar de bem intencionados, traziam problemas para o setor privado, como:

  • Ineficiência; e
  • Insuficiência.

A introdução do regime suspensivo pela “Nova Lei de Defesa da Concorrência” contribuiu enormemente para a solução de todos esses problemas. A aprovação do Cade passou a ser condição precedente para o fechamento das operações, o que eliminou a necessidade de notificação a partir de um momento muito preliminar das negociações, afastou a necessidade de negociar o que podia e o que não podia ser fechado, liberando os servidores para focar naquilo que interessava a todos: uma análise técnica e célere.

Não apenas em razão disso – mas também por isso – os prazos de análise caíram enormemente, trazendo o Brasil para patamares internacionais de tempo de análise de concentrações econômicas.

“Olhando em retrospecto, o que mais impressiona nessa trajetória de 18 anos é o enorme espírito público do órgão: as dificuldades que a lei antitruste impunha não foram passivamente aceitas pelos servidores. O inconformismo levou os conselheiros e técnicos a criarem e testarem medidas de mitigação, corrigir a rota e evitar, dentro das limitações impostas pela legislação, a criação ou o reforço do poder econômico, em benefício do bem-estar do consumidor. As medidas de mitigação inevitavelmente criavam problemas ao setor privado, mas em última análise também contribuíram para pressionar o Estado a corrigir as falhas legislativas”, completa Pugliese.

O presente da Lei de Defesa da Concorrência 

Após a vigência da lei 12.529/11, Daniel Andreoli, sócio da área de Concorrencial de Demarest, aponta que o Cade observou um aumento significativo no número de operações societárias analisadas (627 atos de concentração em 2021). Da mesma forma, a média de tempo de análise foi de 20 dias para o rito sumário e de 113 dias para o rito ordinário.

Após 10 anos de vigência da Lei 12.529/11, a Superintendência-Geral do CADE já consolidou a forma de análise de atos de concentração designando uma coordenadoria específica para a triagem e análise de casos sumário, bem como criou coordenadorias específicas setoriais para cuidar dos casos ordinários. Tal organização abriu espaço para a persecução de condutas anticompetitivas. Como exemplo, em 2021, o Cade lançou 36 processos administrativos para apuração de cartel, 15 sobre abuso de posição dominante (conduta unilateral) e 9 de influência à conduta uniforme. Além disso, leniências voltaram ao seu radar, tendo sido celebrados cinco acordos em 2021. Mesmo com efeitos da pandemia, foram realizadas duas operações de busca e apreensão no mesmo ano. Nos 25 casos de conduta anticompetitiva julgados, foram aplicadas multas que juntas somaram R$ 1,3 bilhão. 

Por mais que os números de 2021 impressionem, o CADE já teve atuação mais incisiva sobre casos de cartel. Logicamente, muito se deve aos desafios trazidos pela pandemia de Covid-19. 

Durante a pandemia, o CADE mais uma vez demonstrou alta capacidade de adaptação (trazendo suas atividades rapidamente para o mundo virtual) e resiliência do seu corpo técnico. Tais esforços, por óbvio, se concentraram na análise dos atos de concentração. 

Agora com a saída do pico da pandemia, há expectativa do retorno da atuação incisiva contra os cartéis, principalmente aquelas investigações derivadas de acordos de leniência já assinados. 

“Com a recente criação de uma  nova coordenadoria para analisar condutas unilaterais, também há expectativa de uma atuação e agilidade de análise de casos de conduta unilateral, principalmente aquelas derivadas de abuso de posição dominante”, observa o advogado.

O futuro da Lei de Defesa da Concorrência 

Daqui para frente, Bruno Drago, também sócio da área Concorrencial do Demarest, acredita que haverá maior dedicação da autoridade aos casos de condutas unilaterais, em especial envolvendo setores mais concentrados e relevantes da economia, cujo potencial danoso à concorrência, aos consumidores e à economia de uma forma geral, seriam maiores. 

Para tanto, a lição de casa do CADE é desafiadora, e passa por uma maior reflexão sobre o necessário aperfeiçoamento ou criação de ferramentas de detecção e processamento desta natureza de infrações concorrenciais, e de um melhor e mais sistemático mapeamento dos setores concentrados que causam ineficiências significativas. Além disso, a capacitação pela qual precisa passar a autoridade para processamento destas infrações não pode ser ignorada.

No tocante aos casos de cartéis, cuja detecção e processamento tem verificado uma queda constante, não somente no Brasil, mas em todo o mundo, os desafios também são muitos. A começar de uma maior convergência de entendimentos e consolidação da jurisprudência sobre dosimetria de penas, no que toca a diferentes prismas de análises, como vantagem auferida, base de cálculo, tratamento isonômico entre os réus, alíquotas, agravantes e atenuantes, com a esperada elaboração de um Guia de Dosimetria. Isso tudo para que não se tenha uma instabilidade ainda maior das políticas de leniência e acordos (TCCs), tão essencial para a atividade do CADE.

Além destes temas mais relevantes, Bruno também lista como desafios futuros a identificação de uma política própria, brasileira, do tratamento emprestado aos temas envolvendo mercados digitais, que talvez não venha com o vigor daquele perseguido na Europa e Estados Unidos recentemente, mas também não implica numa espera e observação constantes, como tem sido nos últimos anos.

Drago aponta ainda a necessidade de atualização e adoção de novos Guias de Análises por parte da autoridade, que deixem mais claros os posicionamentos e prioridades das autoridades para os próximos anos e não tragam surpresas indesejáveis aos administrados, como ocorreu recentemente no caso de RH que envolveu grandes multinacionais atuantes no Brasil. Nesta linha já se discutem o Guias de Análise Vertical, o Guia de Condutas Unilaterais, e outras atualizações e edições precisam entrar mais fortemente no radar da autoridade, como o Guia de Gun Jumping, o Guia de Concentrações Horizontais,  o Guia de TCC , o Guia de Leniência, e o Guia de Dosimetria. 

Temas de sustentabilidade e sua relação com o antitruste tem sido ainda outro tema fortemente debatido no mundo, com pressões cada vez maiores sobre o Brasil para a consideração do tema. Mas as autoridades têm sido fortemente reativas ao enfrentamento de mais este tema.  

Por fim, espera-se que com a recentíssima aprovação de projeto de lei que estimula as ações de reparação de danos concorrenciais, em especial danos decorrentes de cartéis, uma nova onda de processos deve chegar ao Judiciário visando estas discussões indenizatórias. E abre-se ainda espaço para que tais discussões sejam promovidas, cada vez mais, em fóruns arbitrais, fugindo-se com isso das grandes ineficiências reconhecidas ao processo judicial. 

Enfim, a adoção e velocidade de implementação dos temas acima dependem, em grande parte, da disposição, da vontade e dos recursos do CADE para enfrentamento de todos os desafios listados, e muitos outros que consomem o seu dia a dia.


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