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Entenda como a nova Portaria do Procon-SP afeta empresas

22 de março de 2023

Em 23 de dezembro de 2022, o Diário Oficial do Estado de São Paulo publicou a Portaria Normativa nº 229 do Procon-SP, revogando a regulação anterior do órgão, a Portaria Normativa nº 57/2019. Sendo mais detalhista, a nova portaria estabelece um verdadeiro código de procedimentos fiscalizatórios e sancionatórios para as práticas consumeristas.

Maria Helena Bragaglia e João Luiz Mestrinel Antunes Garcia, sócia e advogado das áreas de Consumo e Varejo e de Resolução de Disputas do Demarest, conversaram com a revista Consultor Jurídico e destacaram as mudanças mais significativas para a relação entre empresas e consumidores.

Vigência da Portaria Normativa nº 229/2022

O Procon-SP determinou que a Portaria Normativa nº 229/2022 entrou em vigor na data da sua publicação. Dessa forma, Bragaglia e Garcia explicam que “as normas de aspecto processual são aplicáveis de imediato a todos os processos em andamento, desde que não haja trânsito em julgado. Já as normas materiais são aplicáveis aos processos em andamento se não houver outra mais benéfica ao fornecedor, também desde que não haja trânsito em julgado (artigo 65), a prestigiar a retroatividade da norma mais benéfica no âmbito do direito administrativo sancionatório”.

Pontos mantidos pelo Procon-SP

A Portaria Normativa nº 229/2022 ratifica o sigilo do procedimento administrativo sancionatório até a decisão final, o que já era previsto pela portaria anterior. 

No entanto, existe a possibilidade de a regra não perdurar, em razão da potencial relativização do princípio da publicidade na esfera pública. Isso porque, conforme apontado pelos advogados, o STF já julgou, em março de 2022, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.371), que “declarou a inconstitucionalidade da tramitação em sigilo de processo administrativo sancionador em duas autarquias federais, prevista, então, em lei federal (e não em portaria normativa, como no presente caso), prestigiando a publicidade dos atos estatais e o interesse da população”. O entendimento do STF no julgamento da referida ADI pode se estender à regra do sigilo do Procon-SP.

Também foi mantida a obrigatoriedade da língua portuguesa nos atos fiscalizatórios e nos processos administrativos. Portanto, é necessária a tradução juramentada de documentos redigidos em língua estrangeira.

Processos eletrônicos e Procon-SP Digital

O novo código de procedimentos estipula que, caso o auto de infração seja eletrônico, a tramitação do processo também será eletrônica por meio do Procon-SP Digital. Apenas o ato de citação do fornecedor será físico. Nos casos em que o auto é lavrado em formato físico, o procedimento também o será, havendo a possibilidade excepcional de digitalização e tramitação.

Os especialistas do Demarest evidenciam que a prática de digitalização dos processos pode ser estimulada em decorrência da otimização que isso provoca. Além disso, a portaria é importante por regulamentar o acesso ao sistema digital pelos fornecedores e pelos representantes legais.

De olho nos prazos

A nova portaria esclareceu a contagem de prazos, o que anteriormente provocava muitas dúvidas. A data de publicação será o primeiro dia útil seguinte à disponibilização no Diário Oficial, e a contagem do prazo se inicia um dia útil após esta publicação. Os prazos serão computados em dias corridos, excluindo-se o dia da ciência e incluindo-se o do vencimento.

Bragaglia e Mestrinel ainda destacam uma particularidade: “se o servidor realizar pessoalmente a entrega do instrumento fiscalizatório ou da citação ao fornecedor, o prazo inicia-se no primeiro dia útil subsequente à entrega do documento”.

Novos instrumentos de fiscalização

Por meio deste código de procedimentos, o Procon-SP trouxe um grande detalhamento das espécies de fiscalização. A partir de agora, além do Auto de Constatação, do Auto de Apreensão, do Auto de Notificação e do Auto de Infração já existentes, há mais dois instrumentos de fiscalização: o Registro de Fiscalização, lavrado durante o ato fiscalizatório para constatar uma situação relacionada à possível ofensa de norma consumerista, e o Registro de Ato Fiscalizatório Satisfatório, lavrado a fim de atestar que não foi encontrada irregularidade.

Novidades a respeito das sanções

Os especialistas do Demarest chamam a atenção ao artigo 30 da nova portaria, “que prevê a possibilidade de o fornecedor, quando citado, efetivar o pagamento da penalidade, ou oferecer defesa administrativa e impugnar o valor da receita bruta estimada”. Dessa forma, o fornecedor pode questionar o critério específico da receita bruta da empresa considerado pelo Procon-SP para o cálculo da sanção de multa, sem a necessidade de discussão do mérito da suposta infração. O contraditório sai fortalecido.

Sobre a contagem de prazo para tal, Bragaglia e Mestrinel alertam: “é certo que o Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 525, caput, que o prazo de 15 dias para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença inicia-se após transcorrido o prazo para pagamento. No processo administrativo do Procon-SP, porém, pela leitura do atual art. 30 da portaria, os prazos para pagamento ou impugnação correm em simultâneo. Atenção, portanto, com a tempestividade”.

Ademais, a nova portaria reconhece a aplicação do princípio do non reformatio in pejus, impossibilitando o agravamento de uma sanção após interposição de recurso.

Cálculo das multas

A sanção comumente mais aplicada por órgãos de proteção do consumidor são as multas, que agora contam com algumas inovações pontuais. Seu cálculo continua considerando três critérios: a receita mensal bruta do fornecedor estimada pelo Procon-SP (agora passível de impugnação); a natureza da infração segundo o Código de Defesa do Consumidor e escalonada no Anexo I da Portaria; e o valor da vantagem auferida pelo fornecedor com a infração. Isso casa com as diretrizes gerais dadas pelo CDC.

No entanto, os advogados apontam diferenças relevantes: “a permissão de que a condição econômica da empresa investigada seja comprovada também pela Dipam [Declaração para o Índice de Participação dos Municípios] (artigo 33, VI) e a proibição expressa de considerar a condição econômica de um determinado estabelecimento comercial responsável pela infração para fins de cálculo da sanção”.

Sanções administrativas cautelares

Enquanto a regulação anterior oferecia disposições normativas rasas sobre a aplicação de sanções administrativas de forma cautelar, a nova portaria do Procon-SP é mais completa, prevendo e regulando a possibilidade de aplicação cautelar da sanção. Esta pode ser antecedente à lavratura do auto de infração (por despacho da Diretoria de Fiscalização) ou incidentalmente, durante o processo administrativo sancionador (por decisão da Diretoria de Assuntos Jurídicos). A multa é a única sanção inaplicável a título cautelar.

Balanço final: as mudanças são positivas

Analisando cuidadosamente o documento, Bragaglia e Mestrinel julgaram as alterações realizadas pelo Procon-SP como positivas. Segundo os especialistas, a portaria “é completa, técnica e agrega, sob um mesmo teto, regulamentações esparsas ou até então organizadas sem cadência”. O ponto que talvez mereça mais atenção diz respeito à tramitação do procedimento em sigilo, pois sua legalidade ou constitucionalidade pode vir a ser questionada devido ao julgado do STF na ADI 5.371.

Uma nova normativa densa e portadora de mudanças, entretanto, pode gerar dúvidas em empresas. O escritório de advocacia do Demarest se coloca à disposição para prestar qualquer auxílio.