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Derrubando os mitos da arbitragem para a reparação de danos concorrenciais

14 de julho de 2021

 

Depois de muito debate no meio concorrencial e no Congresso Nacional nos últimos 05 anos, o Projeto de Lei nº 11.275/2018 – que traz importantes incentivos às Ações Reparatórias por Danos Concorrenciais (“ARDCs”) – tem chances de ser aprovado em breve. Além da previsão de que aqueles que forem condenados pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE por infração à ordem econômica, como cartel, terão que pagar indenização de danos em dobro aos prejudicados, outra novidade que merece destaque é a previsão de que as empresas que firmarem Termo de Compromisso de Cessação (“TCCs”) deverão concordar (por meio da inclusão de uma cláusula compromissória no acordo) em responder pelos danos que causaram em juízo arbitral.

Muito já se questionou sobre a legalidade e a necessidade da imposição de (mais) essa obrigação ao compromissário de TCC[1] e de que forma, na prática, se daria a operacionalização dessa cláusula pelo CADE. Se, de um lado, alguns comemoram a novidade, outros suscitaram a suposta desvantagem que a empresa compromissária teria ao ter que se submeter ao juízo arbitral para responder por esses danos. Houve, no entanto, uma unanimidade: os altos custos envolvidos na arbitragem seriam um desincentivo aos prejudicados pelos cartéis, que continuariam optando por recorrer ao Judiciário.

Diante disso, é importante que possamos desvendar alguns mitos.

Primeiro mito: as arbitragens são favoráveis apenas aos prejudicados pelos cartéis.

É comum que se apontem, como vantagens da arbitragem em relação ao processo estatal, a celeridade, a confidencialidade e a possibilidade de escolha e especialidade dos julgadores. Para os pleitos reparatórios de danos concorrenciais, as vantagens apontadas iriam justamente de encontro aos principais problemas vivenciados quando tais litígios são submetidos à Justiça Estatal, como o tempo de duração dos processos judiciais, a falta de domínio específico dos juízes quanto aos temas discutidos e a própria complexidade das discussões, que envolvem questões jurídicas, econômicas e contábeis. A doutrina, inclusive, aponta que estes problemas explicam a baixa adesão ao private litigation no Brasil[2].

Como, em regra, os procedimentos arbitrais já são concebidos para serem mais céleres que os processos judiciais, as decisões e a participação das partes (no limite do que conseguem consentir) certamente impõem maior celeridade ao procedimento. A celeridade, portanto, é conceito essencial na arbitragem e está intimamente ligada à ideia de efetividade. Outra vantagem normalmente referida é a confidencialidade dos procedimentos, que também decorre de decisão das partes. Assim, a publicidade do procedimento, da decisão e de eventual acordo ficará restrita às partes daquela demanda. Por fim, se a arbitragem está assentada na autonomia da vontade das partes, desta autonomia também decorre a possibilidade de escolha de seus julgadores, segundo critérios de formação, especialidade e reputação no mercado. Disso se extrai, em sentido contrário ao que se vê na Justiça Estatal, que, na arbitragem, a escolha costuma recair em profissionais especializados na matéria em discussão. Quanto ao procedimento, as partes podem também escolher as regras pelas quais ele será processado, reduzindo o tempo, os custos e impondo racionalidade aos atos.

Derrubando o mito: dentro desse contexto, é possível notar que não será apenas o autor da ARDC que se beneficiará da convenção de arbitragem, mas também o réu. Um dos principais benefícios da celeridade é a considerável redução de custos que ela traz às partes (conforme se verá mais adiante). A confidencialidade do procedimento, por sua vez, no caso específico das ARDC´s, é elemento que notadamente interessará a parte que é demandada pelos prejuízos. Com ela, é preservada sua reputação e evita-se a exposição ao mercado e a publicidade negativa aos consumidores e investidores. No mesmo sentido, também deveria ser de interesse do réu que a causa fosse avaliada por julgadores especialistas eleitos pelas partes, evitando-se, assim, uma decisão desconectada do real dano causado – e muitas vezes superior a este, baseada, por exemplo, em presunções (muito utilizadas nesse tipo de ação, haja vista a alta complexidade da matéria e a falta de especialidade do Judiciário no assunto).

Segundo mito: as arbitragens são mais caras que as ações judiciais.

No mesmo sentido, é importante desmitificar a principal das desvantagens comumente apontadas para a arbitragem: o elevado custo dos honorários arbitrais, despesas e custas devidas aos órgãos institucionais. Como referido, a celeridade e a eficiência do procedimento, por si só, já impõem uma economia ou um ganho financeiro às partes. Quanto maior o tempo de processo – arbitral ou judicial – maior serão os custos envolvidos (incluindo os decorrentes de honorários advocatícios contratuais e do contingenciamento da ação, que, normalmente, tem alto valor de causa). Lembre-se que não é incomum que os processos judiciais durem quase uma década, sendo, de outro lado, comum que a duração média dos procedimentos arbitrais não supere os 24 (vinte e quatro) meses[3].

Mas não é só. Na arbitragem pode haver a combinação de que os honorários contratuais serão reembolsados pela parte perdedora, além de todos os outros custos havidos para a defesa de seus interesses. Na Justiça Estatal, a jurisprudência do STJ[4] não tem admitido esse ressarcimento. Quanto aos horários sucumbenciais, a doutrina ainda diverge sobre a sua incidência na arbitragem quando não houver combinação entre as partes. De qualquer forma, fato é que, se existir tal combinação, os valores normalmente não repetem os parâmetros do processo Estatal, tendendo o custo a ser menor. Outro fator de relevante economia é o fato que, na arbitragem, quando houver mais de um autor ou réu, geralmente, haverá divisão das custas totais entre eles, diferente do que ocorre no Judiciário, onde pode ser exigido, por exemplo, de cada réu, que recorre de forma independente, o preparo da apelação. Além disso, a confidencialidade também pode ser um vetor de redução de custos, notadamente ao réu, à medida em que reduz os riscos com custos reputacionais[5].

O exercício de comparação.

A título ilustrativo, propomos abaixo um exercício de comparação[6] de estimativas de tempo e custos envolvidos a partir do ajuizamento de uma ARDC perante o Judiciário do Estado de São Paulo e, em paralelo, a instauração de uma arbitragem, segundo as regras do CAM-CCBC, considerando um valor da causa de R$ 20milhões. Em ambos os casos, deve se considerar que o perdedor arcará com a integralidade das custas e despesas ao final.

O exercício demonstra que o impacto negativo do fator tempo é relevante para as partes que optam pelo Judiciário em detrimento da Arbitragem. Por outro lado, não há como negar que seja considerável a diferença entre as custas processuais/do procedimento devidas, o que, contudo, pode não ser tão significativo quando se considera a redução do tempo para que se tenha uma decisão final de mérito, normalmente de melhor qualidade.

Dois outros aspectos que merecem destaque quando da escolha pela Arbitragem são a possível ausência de honorários sucumbenciais e a possível combinação de reembolso de honorários contratuais. Somados à possível (ou provável) confidencialidade do procedimento (que torna inexistentes ou muito baixos os custos reputacionais à empresa ré), há um claro impacto positivo de tais aspectos no custo final da Arbitragem em comparação com a ARDC que tramita perante o Judiciário.

Derrubando o mito: este exercício é, logicamente, hipotético e a sua ideia é provocar uma reflexão às partes envolvidas em um dano decorrente de cartel para que, antes de optar pela tradicional via do Judiciário, sopesem todos os pontos acima levantados. De qualquer forma, ele demonstra que, de fato, o estigma que existe em torno dos (supostos) altos custos da arbitragem não se confirma quando feita uma comparação com os custos de um processo judicial de alto valor, que é comum no caso das ARDCs. Ao que tudo indica, a arbitragem pode sim ser um método menos oneroso às partes envolvidas em uma ARDC, além de trazer vantagens como maior previsibilidade de custos e do tempo de tramitação, além da melhor qualidade da decisão – o que, certamente, impõe reflexos positivos às empresas envolvidas neste tipo de litígio.

Ou seja, a possibilidade de o vencedor se reembolsar integralmente dos custos havidos com a arbitragem, somada aos fatores decorrentes das vantagens acima referidos, indica que o mito dos altos custos da arbitragem não se sustenta se comparados com os custos do processo judicial.

Com essas considerações, a expectativa é que as partes – compromissário no TCC e prejudicado – enxerguem as vantagens de se adotar a arbitragem como método de solução das demandas indenizatórias e passem a utilizá-la, com a promulgação do Projeto de Lei nº 11.275/2012.

Christiane Meneghini S. de Siqueira
Joana Temudo Cianfarani
Paula Müller Ribeiro Bernini


[1] A reparação de prejuízos individuais ou individuais homogêneos já é prevista no artigo 47[1], da Lei nº12.529/2011 e a alteração proposta pelo Projeto de Lei nº11.275/2012 virá a reforçar a arbitrabilidade objetiva de tais litígios, em consonância com a Lei Brasileira de Arbitragem (Lei nº9.307/96) que, em seu artigo 1º, autoriza as pessoas capazes de contratar de se valerem da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

[2] Artigo – “A Arbitragem como Meio Alternativo na Resolução de Demandas Indenizatórias Decorrentes da Prática de Cartéis e a Minuta de Resolução do CADE submetida à Consulta Pública 05/2016”, Autora: Yane Pitangueiras Dantas, Revista de Defesa da Concorrência, nº1, 2017, Maio, pgs. 231/246.

[3] O CAM-CCBC[3], instituição renomada na administração de procedimentos, indicou[3] como 13,2 meses o tempo médio de duração dos procedimentos iniciados entre 2017 e 2019 perante aquela instituição. Já a CAM, vinculada à BMF&BOVESPA, indicou[3] como 17 meses a duração média dos procedimentos por ela administrados.

[4] REsp nº 1.837.453/SP, AgInt REsp nº 1.675.581/SP, AgRg no AREsp nº 810.591/SP e AgInt no AResp nº1.449.412/SP.

[5] A título ilustrativo, trazemos, ao menos, duas situações que se enquadrariam nesse custo: 1) desvalorização da empresa, a exemplo do que recentemente ocorreu a partir do caso das ARDCs do Câmbio, que, no dia seguinte ao ajuizamento da ação (sem segredo de justiça) alguns dos Bancos demandados tiveram queda nas ações, tendo sido mensuradas perdas de até 20 bilhões de Reais.  Notícia: Bancos brasileiros podem levar “paulada” de R$ 20 bilhões no lucro – Money Times (Acesso em 22/06/2021); e 2) “efeito cascata”, quando outras ações indenizatórias são promovidas a partir da notícia de uma ARDC contra e empresa.

[6] O exercício apresentado é meramente estimativo, tendo em vista a incipiência do tema e o fato de que ainda não se tem notícia acerca de procedimentos arbitrais que visem a indenização por danos concorrenciais, mesmo perante o Poder Judiciário. Certamente, o aumento do número de casos e a evolução da discussão da temática propiciarão modelos mais apurados no futuro.