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Contrato de parceria: desafios e particularidades
1 de novembro de 2023
por Ana Paula Pinheiro Schedel
Você conhece alguém que mencionou a intenção ou possibilidade de firmar um contrato de parceria com outra pessoa? Como advogados, somos procurados por muitos clientes que buscam formalizar parcerias com indivíduos específicos ou para determinadas situações.
Para atender adequadamente a esse tipo de demanda, advogados devem entendê-la de forma abrangente e aprofundada, o que requer perguntas ao cliente, como: “que tipo de parceria vocês pretendem firmar?” e “quais são as obrigações e os direitos de cada parte?”
Embora haja clientes que não entendam tão bem o porquê de tais questões, a razão é muito simples: tecnicamente, não existe na legislação brasileira (no âmbito das relações privadas) um tipo contratual chamado contrato de parceria.
Desse modo, ao contrário dos tipos contratuais já previstos na legislação de direito privado, não há nada que defina ou regule oficialmente, com previsões legais mínimas, o contrato de parceria e os limites a que tal acordo está sujeito. Consequentemente, se faz necessário esclarecer a exata intenção do cliente que solicita sua assistência com um esse tipo de documento.
Então, o que fazer quando há a necessidade de um contrato de parceria?
No campo dos contratos cíveis e comerciais, quando um cliente fala em “contrato de parceria”, é improvável que o projeto envolva qualquer negócio jurídico que se identifique com os contratos típicos (ao menos exclusivamente), considerando os direitos e obrigações próprios a cada um desses tipos de contrato – sendo eles compra e venda, troca, contrato estimatório, doação, locação, empréstimo, prestação de serviço, empreitada, depósito, mandato, comissão, agência, distribuição, corretagem, transporte, constituição de renda, seguro, jogo, aposta, fiança, sociedade, transação ou compromisso.
Contudo, mesmo em uma contratação atípica, é possível que o cliente tenha interesse na inclusão de alguns dos elementos próprios a um ou mais tipos de contrato mencionados acima, sem fazer uso de um tipo específico.
De fato, a legislação brasileira de direito privado não prevê qualquer obrigação de firmar apenas contratos típicos, tampouco vedação que proíba as partes contratantes de firmar contratos atípicos. O Art. 425 do Código Civil brasileiro faz previsão no sentido de permitir a contratação atípica, quando estabelece que “é lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código.”
Ainda assim, é indispensável conferir atenção especial aos princípios e obrigações gerais pertinentes aos contratos (como é o caso dos elementos mínimos: partes capazes, objeto lícito e outros, a depender do contrato) e às vedações em geral a eles aplicáveis. Desconsiderar esses pontos poderá determinar que o contrato de parceria seja nulo, invalidado ou questionado.
Contratos atípicos e o princípio da preponderância
Outro ponto a ser observado nesse contexto é o princípio da preponderância ao fazer uso de elementos de um contrato típico. A preponderância poderá determinar que um contrato de parceria, aparentemente atípico, seja considerado típico sob um ou mais aspectos, ainda que o nome específico de um determinado tipo de contrato não tenha sido utilizado.
Nesse caso, por serem próprias a um tipo específico, condições que tenham sido desconsideradas ou não pretendidas poderão ser aplicadas, mesmo que contra a vontade das partes. Em virtude disso, é importante considerar que a retirada intencional de condições e elementos essenciais de contratos típicos poderá resultar na anulação ou invalidação do contrato em vez de um contrato atípico, como pretendido.
Em outras palavras, a prática de usar ou abusar da estrutura do contrato para desviar-se de regras aplicáveis a determinados tipos de contrato poderá ser considerada fraude.
Atenção às particularidades
Assim, destacamos que o contrato de parceria pode ser adaptado às preferências e necessidades de um cliente, desde que observados os princípios e vedações gerais. Trata-se de um contrato que pode tomar as mais variadas formas, moldando-se conforme o negócio jurídico pretendido pelas partes.
Justamente por não ser um contrato típico, sempre será fundamental definir cuidadosamente o seu objeto, bem como as obrigações e os direitos das partes contratantes.
*Ana Paula Pinheiro Schedel é sócia da área de Contratos Comerciais e Negociações no Demarest Advogados.