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Análise dos impactos da MP das apostas sob a perspectiva de cinco áreas
31 de julho de 2023
O Governo Federal editou a Medida Provisória nº 1.182, em 24 de julho de 2023[1] (MP), regulamentando as apostas de quota fixa, também conhecidas como “apostas esportivas”. Essas apostas podem ser realizadas em canal virtual ou presencialmente, mediante a aquisição de bilhete em forma impressa, antes ou durante a ocorrência do evento real objeto da aposta. Na avaliação de especialistas das práticas de Direito Regulatório, TMT, Tributário, Propriedade Intelectual, Criminal e Financeiro, o objetivo foi tornar mais seguros e transparentes os relacionamentos estabelecidos entre as plataformas de apostas e o público em geral, mas também contribuir para o aumento da arrecadação e viabilizar a exploração e operação das casas de apostas esportivas no Brasil.
A MP definiu “eventos reais de temática esportiva” como o evento ou ato que inclua competições desportivas, torneios, jogos ou provas com interação humana, individuais ou coletivos, excluídos aqueles que envolvam exclusivamente a participação de menores de 18 anos de idade, cujo resultado seja desconhecido no momento da aposta e que sejam promovidos ou organizados.
O Ministério da Fazenda tem previsão de arrecadar cerca de R$ 2 bilhões por ano. Com a formalização total do mercado de jogos, o Governo Federal estima uma arrecadação anual entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões.
A MP tem efeitos imediatos, mas perderá a sua validade caso não seja aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias.
- Aspectos regulatórios
A MP define que será competência do Ministério da Fazenda (i) autorizar, permitir e conceder, normatizar, regular, supervisionar e fiscalizar a exploração da loteria de aposta de quota fixa; (ii) regular, fiscalizar e aplicar sanções administrativas; (iii) instaurar processo administrativo e aplicar sanções administrativas por violação ao disposto na legislação relacionada; e (iv) disciplinar as penalidades e o processo administrativo sancionador, o que inclui a gradação e dosimetria da pena a ser aplicada.
Importantes temas relacionados à regulação das apostas esportivas ficaram de fora da MP e serão objeto de regulamentação futura. Em específico, a MP estabeleceu que (a) o Ministério da Fazenda regulamentará a forma e o processo pelo qual serão outorgadas as concessões, permissões e autorizações para que agentes operem a modalidade lotérica de apostas de quota fixa, e (b) o Ministério da Fazenda e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) deverão atuar em conjunto para regulamentar as ações de comunicação, publicidade e marketing, incentivando a autorregulação e objetivando que as apostas sejam realizadas de maneira responsável.
Não obstante a necessidade de regulamentação futura, a MP já definiu algumas importantes balizas, entre elas, os requisitos subjetivos para requisição de outorga para exploração das loterias de apostas de quota fixa, quais sejam: pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras, devidamente estabelecidas no território nacional e que atendam às exigências constantes da regulamentação a ser editada pelo Ministério da Fazenda.
Considerando que, atualmente, a operação de casas de apostas no mercado brasileiro se dá majoritariamente por meio de empresas com sede no exterior, com plataformas hospedadas em servidores internacionais, haverá a necessidade de abertura de pessoas jurídicas com sede no Brasil, que estarão sujeitas à fiscalização do Ministério da Fazenda.
A ausência de outorga para exploração de atividades de apostas esportivas é, nos termos da MP, circunstância impeditiva para publicidade dessas atividades no Brasil.
A fim de dar cumprimento a tal determinação, a MP definiu que:
- Empresas divulgadoras de publicidade ou propaganda, após comunicação pelo Ministério da Fazenda, procederão à exclusão das divulgações e das campanhas irregulares.
- Provedores de conexão à internet (ou seja, prestadores de serviços de telecomunicações responsáveis pelo fornecimento de meios para acesso à internet) e provedoras de aplicações de internet (ou seja, plataformas digitais intermediárias), após notificação administrativa pelo Ministério da Fazenda, deverão bloquear sites eletrônicos e/ou aplicativos de internet relacionados a apostas esportivas cujos exploradores não estejam devidamente autorizados a exercer atividades no país. Tal determinação, especificamente, suscita preocupações à vista dos princípios e regras estabelecidos na Lei nº 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet”).
- Entidades de administração do esporte proibirão, nos regulamentos de suas competições, que organizações de prática desportiva e atletas veiculem nomes e marcas de empresas que ofertem ou explorem loteria de apostas de quota fixa sem outorga.
Para evitar a existência de conflitos de interesse e mitigar riscos de manipulação de resultados, a MP estabeleceu que empresas de outorga à exploração de atividades de loteria de apostas esportivas, suas controladas e controladoras, não poderão adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos desportivos realizados no Brasil para emissão, difusão, transmissão, retransmissão, reprodução, distribuição, disponibilidade ou qualquer forma de exibição de seus sons e imagens, por qualquer meio ou processo, em linha com outras restrições existentes no país.
Com o mesmo objetivo, a MP estabelece que o sócio ou o acionista controlador de empresa exploradora de loteria de apostas de quota fixa, individual ou integrante de acordo de controle, não poderá deter participação, direta ou indireta, em times de futebol ou qualquer outra organização esportiva profissional, nem atuar como dirigente de equipe desportiva brasileira.
- Aspectos tributários
A MP trouxe importantes alterações em matéria de tributação das operações envolvendo apostas de quota fixa.
A nova redação do artigo 30 da Lei nº 13.756/2018 passa a estabelecer que, sobre o produto da arrecadação das loterias de apostas de quota fixa, subtraído do prêmio pago e do imposto de renda de 30% retido sobre o valor do prêmio, incidirá 18% de contribuições, distribuídos da seguinte forma:
- 10% a título de contribuição para a seguridade social;
- 0,82% destinado à educação básica;
- 2,55% destinado ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP);
- 1,63% destinado às entidades do Sistema Nacional do Esporte (SNE) e atletas que tiverem seus nomes e símbolos ligados às apostas; e
- 3% destinado ao Ministério do Esporte até 2028 e, após essa data, ao Tesouro Nacional.
A MP estabelece ainda que, do valor líquido arrecadado, até 82% do produto da arrecadação será voltado à cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria de apostas de quota fixa. O limite trazido no texto até então vigente era de 95%. Esse limite pode variar durante o ano, desde que a média anual atenda ao limite estabelecido na legislação.
A MP revogou a contribuição para a seguridade social sobre o total do produto da arrecadação no importe de 0,10% no caso de apostas em meio físico, e 0,05% no caso das apostas em meio virtual. A revogação em questão passa a valer a partir do primeiro dia do quarto mês subsequente ao de sua publicação, tal como a contribuição de 10% instituída pela norma. Por sua vez, foi mantida a exigência vinculada à cobrança de Taxa de Fiscalização devida pela exploração comercial da loteria de apostas de quota fixa.
Os agentes operadores deverão apurar e recolher os repasses mensalmente na forma a ser definida pelo Ministério da Fazenda e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Vale mencionar que a MP não definiu expressamente o que será entendido como “receita do agente operador” para fins de tributação corporativa (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) e ISS – se apenas os 82% ou 100% do valor arrecadado subtraído do prêmio e do imposto de renda.
Todavia, o texto preservou a sistemática de tributação da Receita Bruta de Jogos (gross gaming revenue – “GGR”). Em linhas gerais, o GGR representa o valor retido pelo operador e não o total arrecadado a título de apostas (turnover). Esse modelo de tributação é compatível com o julgamento do Superior Tribunal Federal no Tema 700, que tratou da incidência de ISS sobre a atividade de exploração de jogos e apostas.
- Aspectos financeiros – meios de pagamento
Com o propósito de tornar mais seguros e transparentes os relacionamentos estabelecidos entre as plataformas e o público em geral, a MP também trouxe normas que geram impacto sobre o mercado de meios de pagamento. Isso porque a MP trouxe regras aplicáveis aos canais de pagamento destinados tanto à realização das apostas quanto ao recebimento dos valores de premiações.
Assim, somente instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil (tanto os bancos quanto as chamadas “instituições de pagamento reguladas”) poderão ofertar contas transacionais por meio das quais os apostadores terão condições de realizar transações de pagamento de apostas, assim como receber eventuais premiações.
De acordo com a nova regra, as instituições de pagamento que ainda não tenham alcançado as condições regulatórias mínimas que lhes permitam pleitear a autorização de funcionamento perante o Banco Central serão impedidas de atuar como canais de liquidação financeira no âmbito do mercado de apostas.
Ponto central da nova legislação, a outorga onerosa de concessão, permissão ou autorização para que agentes operadores explorem as apostas de quota fixa também deverá gerar impactos no mercado de meios de pagamento, devendo o Ministério da Fazenda editar normas complementares para reger tais processos de outorga iniciados por pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras com estabelecimento no país.
Para o funcionamento regular dos agentes operadores em nosso mercado, esse critério causará repercussões importantes sobre o Sistema de Pagamentos Brasileiro, pois novas regras deverão ser editadas pelo Banco Central a fim de introduzir ajustes no funcionamento dos arranjos de pagamento. Essa medida tem por finalidade impedir a realização de pagamentos destinados a apostas por operadores não autorizados.
Em decorrência disso, o descumprimento das regras que serão editadas pelo Banco Central a respeito do funcionamento dos arranjos deverá acarretar a exposição das instituições financeiras e de pagamento comprovadamente infratoras a sanções administrativas, cuja modulação deverá estar alinhada às previsões da Lei nº 13.506 e regulamentação infralegal.
- Aspectos de Propriedade Intelectual
A MP traz importantes mudanças que envolvem direitos de Propriedade Intelectual, conforme abaixo:
- O Ministério da Fazenda regulamentará a forma e o processo pelo qual serão concedidas autorizações para que todos os agentes operadores da modalidade lotérica de apostas de quota fixa façam uso: (i) da imagem, do nome ou do apelido desportivo e dos demais direitos de Propriedade Intelectual dos atletas; e (ii) das denominações, das marcas, dos emblemas, dos hinos, dos símbolos e dos similares das organizações esportivas.
- A destinação do produto da arrecadação será revertida, na forma estabelecida em regulamento do Ministério da Fazenda, em conjunto com o Ministério do Esporte às entidades do Sistema Nacional do Esporte e aos atletas brasileiros ou vinculados a organizações de prática desportiva sediadas no país, nas hipóteses em que seu nome, apelido, imagem e demais direitos de propriedade intelectual forem expressamente objeto de aposta, ou à organização nacional de administração da modalidade de que tratar o evento, quando os participantes não integrarem o Sistema Nacional do Esporte.
- As entidades de administração do esporte proibirão, nos regulamentos de suas competições, que organizações de prática desportiva e atletas veiculem nomes e marcas de empresas que ofertem ou explorem loteria de apostas de quota fixa, em todas as suas propriedades de marketing que possam ser objeto de acordo sobre veiculação de marcas, sem a outorga prevista em lei.
- As empresas prestadoras das atividades de loteria de apostas não poderão adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos desportivos realizados no país para emissão, difusão, transmissão, retransmissão, reprodução, distribuição, disponibilidade ou qualquer forma de exibição de seus sons e imagens, por qualquer meio ou processo.
- As ações de comunicação, de publicidade e de marketing da loteria de apostas de quota fixa observarão a regulamentação do Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação. E com isso, o CONAR poderá estabelecer restrições e diretrizes adicionais a tais recomendações.
- A publicidade e propaganda de sites ou loterias sem a outorga são proibidas, cabendo às empresas provedoras de conexão à internet e de aplicações de internet (definição dada pelo Marco Civil da Internet) realizar o bloqueio ou exclusão de tais sites / aplicativos, após notificação administrativa do Ministério da Fazenda.
Como se pode notar, alguns pontos envolvendo direitos relacionados à propriedade intelectual ainda serão objeto de discussão, e pendem de direcionamentos, entretanto, as mudanças elucidadas pela MP já trazem importantes elementos direcionadores para as práticas que serão adotadas e dos possíveis conflitos de interesse e discussões que serão enfrentados.
- Aspectos criminais
Do ponto de vista criminal, é necessário destacar que as apostas de quota fixa foram legalizadas com o advento da Lei nº 13.756/2018 e se diferenciam dos jogos de azar (do inglês gambling), que permanecem ilegais no território nacional, conforme o art. 50 da Lei das Contravenções Penais (Lei nº 3.688/1941).
A MP em questão é um passo importante para a regulamentação do tema no país, de forma que o Estado possa exercer ainda mais o seu poder de fiscalização, incluindo o dever das empresas detentoras da autorização de reportar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) todas as informações sobre os apostadores relativas à prevenção de lavagem de dinheiro e de financiamento do terrorismo.
[1] Em 26 de julho de 2023, houve uma republicação parcial da MP: artigo 33-B e incisos – retificação de incorreções de formatação (não houve alterações qualitativas).
As equipes de Direito Regulatório, TMT, Tributário, Propriedade Intelectual, Criminal e Financeiro estão à disposição para fornecer mais informações e esclarecer quaisquer dúvidas que se façam necessárias.
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