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Arbitragem e regulamentação pelo CADE Críticas ao PL 11.275 no que se refere ao caráter voluntário da arbitragem
13 de outubro de 2021
Cade – Jota Imagens
O Projeto de Lei n.º 11.275/2012, que altera alguns dos dispositivos da Lei Concorrencial, enfrenta muitas críticas no sentido de que viria a instituir uma arbitragem compulsória para os casos em que Termos de Cessação de Conduta (TCCs) são firmados com o CADE, excluindo o requisito da voluntariedade da convenção de arbitragem[1] e permitindo questionamentos quanto à sua legalidade.
Critica-se, ainda, o fato de que a instauração da arbitragem dependeria da vontade de um terceiro (o prejudicado) que não participaria do ou subscreveria o TCC. Pouco se fala, entretanto, da necessária regulamentação da cláusula arbitral para que esta realmente produza os efeitos práticos visados pelo legislador.
No nosso entender, a previsão de cláusula compromissória do PL 11.275/2012 não exclui o requisito da voluntariedade da convenção de arbitragem. Sem adentrar na questão teórica envolvida no tema, vale traçar um paralelo com o que ocorre com acionistas que se vinculam à arbitragem[2] ao adquirir ações de empresas cujos estatutos sociais preveem cláusula arbitral. Da mesma forma, o compromissário do TCC, ao decidir firmar tal instrumento, estará também decidindo submeter eventuais litígios relacionados à reparação de danos concorrenciais à arbitragem, cumprindo, assim, o requisito da voluntariedade.
Tampouco estão os potenciais prejudicados pelas infrações à ordem econômica obrigados a submeter o litígio à arbitragem, mas têm essa possibilidade e podem dela se utilizar, de acordo com sua conveniência. Vale lembrar que a celebração de TCC é ato discricionário da autoridade pública e não um direito subjetivo do administrado, de modo que a cláusula arbitral será apenas mais um elemento que guiará a decisão da administração, tal como já ocorre com a necessidade de o compromissário confessar a infração e pagar a contribuição pecuniária.
Ainda, pode-se fazer uma analogia com os signatários de contratos de adesão, que nos termos do artigo 4º, § 2º [3], da Lei de Arbitragem, manifestam seu consentimento quando iniciam a arbitragem ou quando expressam sua vontade no próprio contrato, mediante certos requisitos.
Ocorre que, para que os prejudicados por ilícito concorrencial possam efetivamente pleitear a recuperação dos seus danos pela via arbitral, será de extrema importância que o CADE regulamente a questão das instituições arbitrais para as quais poderão ser direcionados tais litígios.
Regulamentação similar já ocorre, por exemplo, no setor de energia elétrica, em que existe previsão[4] de que divergências entre os agentes integrantes da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) devem ser resolvidas por arbitragem a ser desenvolvida no âmbito da Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem. O mesmo ocorre em esferas estaduais e municipais[5] que fazem o cadastramento de instituições arbitrais que poderão ser indicadas pelos respectivos entes públicos quando firmarem convenções arbitrais.
Veja-se que a indicação da instituição arbitral já foi feita até mesmo em um caso de Acordo em Ato de Concentração (“ACC”) no CADE. Foi o que ocorreu no ACC firmado pelo CADE com a BM&FBOVESPA S.A. – BOLSA DE VALORES, MERCADORIAS E FUTUROS (“BVMF”) e a CETIP S.A. – MERCADOS ORGANIZADOS (“CETIP”)[6], em que o CADE indicou a Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC) para a solução de controvérsias com terceiros relativas ao objeto daquele acordo[7].
Muito embora seja notória a qualidade dos serviços prestados por tal instituição, os critérios pelos quais ela foi indicada não foram esclarecidos pelo CADE naquela oportunidade. Talvez tivesse sido mais prudente que o órgão tivesse disponibilizado uma lista contendo as instituições arbitrais dentre as quais os interessados pudessem eleger a de sua preferência.
Seria, portanto, de grande valia a regulamentação sobre a escolha das instituições arbitrais pelo CADE tão logo o PL seja aprovado. Afinal, do texto legal que se pretende implementar, extrai-se tão somente a previsão de uma cláusula compromissória vazia. É imprescindível que referida cláusula se torne cheia, com a indicação, pelo CADE, de uma ou mais instituições arbitrais habilitadas a serem utilizadas para as ações de reparação de danos concorrenciais previstas nos TCCs.
Da forma como está prevista a proposta legislativa, uma vez aprovada e caso não haja regulamentação, os prejudicados deverão notificar os compromissários da intenção de iniciar a arbitragem, como preveem os artigos 5 e 6[8] da Lei de Arbitragem. Nesse caso, se não houver resposta favorável à instituição pelos compromissários, será necessário promover ações judiciais para a definição da instituição, o que certamente impactará negativamente no desenrolar dos casos, comprometendo, inclusive, a opção dos prejudicados pela via arbitral – representando, assim, um empecilho à implementação desta importante e salutar novidade no sistema das ARDCs no Brasil.
É certo que, de outro lado, a submissão do compromissário à arbitragem será uma decorrência do TCC firmado com o CADE, do que se extrai, em tese, que não deveria haver resistência quanto à instituição de processo arbitral por um potencial prejudicado (aquele que busca indenização). Mas poderá surgir resistência quanto à indicação de instituição arbitral ou algum outro aspecto do processo, que não corresponda propriamente ao desatendimento da obrigação do compromissário de se submeter a juízo arbitral.
Assim, constata-se que a utilização da arbitragem na forma prevista no Projeto de Lei nº11.275/2012 é possível e cabível na forma do nosso ordenamento, respeitando os requisitos da Lei de Arbitragem, em especial, a voluntariedade das partes, mas exige futura regulamentação pelo CADE, para que seja colocada em prática sem maiores dificuldades aos envolvidos.
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Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
[2] Lei nº6.404/76:
Art. 136-A. A aprovação da inserção de convecção de arbitragem no estatuto social, observado o quórum do art. 163, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.
[3] Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
- 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
- 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.
[4] Artigo 4º, §1º, da Lei nº10.848/2004:
Art. 4º Fica autorizada a criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, sob autorização do Poder Concedente e regulação e fiscalização pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, com a finalidade de viabilizar a comercialização de energia elétrica de que trata esta Lei.
- 1º A CCEE será integrada por titulares de concessão, permissão ou autorização, por outros agentes vinculados aos serviços e às instalações de energia elétrica e pelos consumidores de que tratam os arts. 15e 16 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, e o § 5º do art. 26 da Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996.
A Resolução Normativa ANEEL nº109/2004 que institui a Convenção de Comercialização de Energia Elétrica, por sua vez, prevê em seu art. 58 prevê que os conflitos entre os agentes serão dirimidos por arbitragem. Ainda, o Estatuto Social da CCEE estabelece a arbitragem (artigos 38 e 39) e a Convenção de Arbitragem instituída pela Resolução Homologatória da ANEEL nº531 de 07/08/2007 prevê a utilização da Câmara FGV.
[5] A título de exemplo, o Estado de São Paulo, através da Resolução PGE nº45, de 19/12/2019 disciplinou a forma de cadastramento de câmaras arbitrais. No Estado do Rio de Janeiro, o Decreto nº46.245 de 19/02/2018 também prevê o cadastramento das instituições arbitrais junto àquele Estado.
[6] Ato de Concentração n.º 08700.004860/2016-11.
[7] Nesse sentido, vale transcrever as regras previstas no referido ACC:
“2.10. As Compromissárias se comprometem a empreender período de negociação de até 120 (cento e vinte) dias com qualquer interessado na contratação da Prestação de Serviços CSD.
2.11. Em caso de fracasso nas negociações, a parte interessada poderá acionar o mecanismo de arbitragem previsto nesta cláusula, para fins de solução de controvérsias (“Arbitragem”).
2.12. A Arbitragem será conduzida por tribunal arbitral composto por 3 (três) árbitros (“Tribunal Arbitral”) e será realizada na Cidade de São Paulo, Estado de São Paulo, observando, no que for aplicável, o procedimento previsto no Regulamento do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC). Nos termos do mencionado Regulamento, cada parte indicará um árbitro para compor o Tribunal Arbitral, os quais indicarão, em conjunto, um terceiro árbitro que figurará como Presidente do Tribunal Arbitral.”
[8] Lei de Arbitragem – Lei nº9.307/96.
Art. 5º Reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem.
Art. 6º Não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral.
Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa.
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