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Perspectivas

A regulamentação dos produtos à base de cannabis

12 de dezembro de 2022

Ano a ano, após a legalização da cannabis em alguns países, os usos, aplicações medicinais e a regulamentação dela têm crescido mundo afora. No Brasil, esse crescimento ganhou endosso das novas regulamentações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em especial, da Resolução da Diretoria Colegiada n° 327/2019 (RDC 327/2019), publicada em 11 de dezembro de 2019 e popularmente conhecido como “Marco Regulatório da Cannabis no Brasil”.

De qualquer forma, a legalização da maconha no Brasil é parcial. De acordo com a lei nacional de drogas, a cannabis ainda é classificada como droga ilícita, sendo proibida a sua produção, aquisição, venda, transporte, consumo recreativo etc. No entanto, houve uma reforma significativa no que diz respeito ao cultivo para uso medicinal do canabidiol no Brasil.

O uso de canabidiol no Brasil

Em termos econômicos, após a Anvisa autorizar a importação dos produtos à base de cannabis para uso medicinal em 2015, esta cresceu mais de 15 vezes. Só de 2015 a 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) custeou mais de R$ 50 milhões em remédios à base de cannabis, em decorrência da judicialização em 13 estados.

Outros estudos estimam que a legalização da cannabis movimentou R$ 130 milhões em 2021 no Brasil, podendo chegar a movimentar R$ 26,1 bilhões até 2025. Além disso, entre janeiro e outubro de 2021, as vendas nas farmácias aumentaram mais de 700%, tendência também observada no início de 2022.

A RDC 327/2019 deverá ser revista em até 3 anos após a sua publicação, ou seja, em dezembro de 2022. Até o momento, a resolução dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação. Também estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e a fiscalização dos produtos de cannabis.

Foi só em 2021, após dois anos de vigência, que diversos produtos foram inseridos no mercado brasileiro. Atualmente (até dezembro de 2022), a lista conta com 23 variações para fins medicinais registrados pela Anvisa e que já podem ser adquiridos em farmácias e drogarias. Desses, nove são à base de extratos de cannabis sativa e quatorze do fitofármaco canabidiol.

Apesar disso, a cannabis sativa permanece listada como planta que não pode ser cultivada, colhida, explorada, importada, exportada, comercializada, extraída, manuseada ou utilizada no País, tendo que ser importada com receita média, o que encarece os preços. Sendo que esse tema tem sido alvo constante de discussões no judiciário. 

Considerando que existem vários outros usos comerciais da variação da planta, além dos medicinais, como na produção de combustível, já há projetos em tramitação no Congresso Nacional para retirar a proibição.

Importantes Projetos de Lei em discussão

Diante da necessidade da regulamentação federal para pacificar as discussões sobre os temas controversos, atualmente, há quatro principais Projetos de Lei em tramitação:

PL no 514/2017: dispõe sobre o semeio, cultivo e colheita de cannabis sativa para uso pessoal terapêutico;

PL no 5.158/2019: dispõe sobre a alteração legislativa para obrigar o SUS a fornecer medicamentos que contenham o CDB como único princípio ativo;

PL no 4.776/2019: dispõe sobre o uso da planta para fins medicinais e sobre a produção, controle, fiscalização, prescrição, dispensação e importação de medicamentos à base de cannabis, seus derivados e análogos sintéticos.

PL no 5.295/2019: submete ao regime de vigilância sanitária a produção, a distribuição, o transporte, a comercialização e a dispensação de cannabis medicinal e dos produtos e medicamentos derivados. Determina a regulamentação da produção da cannabis medicinal e do cultivo do cânhamo industrial.

Principais temas em discussão no judiciário 

A omissão legislativa sobre o tema gera diversas controvérsias envolvendo o comércio e o cultivo da planta, cabendo ao judiciário decidir sobre o que é permitido ou vedado. Dentre os principais pontos é possível destacar diversas decisões relevantes em prol de diversas solicitações relacionadas aos produtos de cannabis:

– Plantio de cannabis: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já pacificou o entendimento de que é permitido o cultivo domiciliar de cannabis para fins estritamente medicinais e para uso próprio, desde que respeitados os limites da prescrição médica e havendo prévia autorização legal;

– Importação da semente para o plantio: tanto o STF quanto o STJ sedimentaram o entendimento de que a conduta não tipifica o crime da lei de drogas, porque “tais sementes não contém o princípio ativo inerente à cannabis sativa”. Em uma das decisões sobre o caso (HC 779.289), o relator julgou procedente o HC para que o paciente possa importar sementes e cultivá-las exclusivamente para fins medicinais, respeitadas as devidas prescrições médicas.

– Cobertura assistencial: há decisões que determinam a cobertura assistencial para o fornecimento de Produto de Cannabis aos beneficiários;

– Comércio de cannabis: há decisões que autorizam o comércio de cannabis por farmácias de manipulação, superando o entendimento de que o comércio só pode ser realizado por drogarias e farmácias sem manipulação.

Canabidiol e Anvisa

Dentro da atual legislação, a principal licença regulatória é a Autorização Sanitária expedida pela Anvisa. Esta autorização permite a comercialização e dispensação dos produtos no Brasil pelo prazo improrrogável de cinco anos, contados da data da publicação da Autorização no Diário Oficial da União (DOU).

Para se qualificar para a liberação, os produtos farmacêuticos à base de cannabis devem cumprir os requisitos legais, que requerem, entre outras coisas, dados clínicos sobre a segurança e eficácia dos medicamentos para a indicação pretendida e a certificação de Boas Práticas de Fabricação.

Até o vencimento da Autorização Sanitária, a empresa que pretenda fabricar, importar e comercializar os produtos no Brasil deve solicitar a regularização pela via de registro de medicamentos. Como a Autorização Sanitária de Produto de Cannabis não é passível de transferência de titularidade, uma nova solicitação deverá ser submetida à Anvisa.

Os Produtos de Cannabis podem ser comercializados em farmácias ou drogarias, devendo toda a movimentação ser inserida no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados da Anvisa. Apesar da legislação excluir as farmácias de manipulação dos estabelecimentos autorizados a vender os produtos, há discussão judicial sobre o tema com precedente favorável para descaracterizar tal restrição, visto que não há legislação federal que estabeleça tal distinção.

A polêmica resolução do CFM sobre a prescrição do canabidiol

Em 14 outubro de 2022, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a polêmica Resolução nº 2.324/2022, que trata dos critérios para a prescrição do canabidiol no país. A resolução foi alvo de diversas e duras críticas dos médicos, associações de pacientes e fabricantes por seu caráter restritivo. 

A nova resolução restringia a prescrição do canabidiol apenas para o tratamento de epilepsia refratária em crianças e adolescentes com síndrome de Dravet e Lennox-Gastaut ou complexo de esclerose tuberosa. Para os demais tipos de epilepsia, a substância não poderia mais ser prescrita. Sendo assim, os adultos e doenças como depressão, ansiedade, dores crônicas, Alzheimer e Parkinson não estavam cobertas pela Resolução nº 2.324/2022. A medida também proibia médicos de darem palestras e cursos fora do ambiente científico sobre o uso do canabidiol e de outros produtos derivados da Cannabis, bem como de fazer divulgação publicitária das substâncias.

No entanto, após  10 dias de sua publicação, o CFM decidiu suspender temporariamente a Resolução nº 2.324/2022 e abriu uma Consulta Pública para receber contribuição da população até 23 de dezembro de 2022. Com a suspensão da resolução, fica a cargo de cada médico recomendar o tratamento.


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