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A entrada em vigor do novo regulamento de arbitragem do CAM-CCBC: breve análise das regras nele introduzidas
7 de novembro de 2022
No dia 17 de outubro de 2022, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (“CAM-CCBC”) divulgou seu novo Regulamento de Arbitragem (“Regulamento 2022”). A aprovação do novo texto pelo Conselho Consultivo do CAM-CCBC se deu em 1º de agosto de 2022; já sua entrada em vigor, em 1º de novembro do mesmo ano.
O Regulamento 2022 substitui aquele até então vigente desde 2012 (“Regulamento 2012”) e traz mudanças significativas no regime aplicável a arbitragens sob administração do CAM-CCBC. Em especial, o Regulamento 2022 traz regras relativas a arbitragens multiparte, integração de partes adicionais, consolidação de procedimentos, árbitro de emergência, conflito de representação, entre outras, numa clara tentativa de endereçar problemas práticos frequentes.
Nesse cenário, este texto apresenta uma visão geral sobre as principais alterações promovidas pelo Regulamento 2022, com o propósito de destacar os pontos de atenção mais relevantes para a atuação prática em casos administrados pelo CAM-CCBC.
Âmbito operativo
O artigo 1.2 do Regulamento de 2022 esclarece que o “CAM-CCBC também poderá administrar processos regidos pelo Regulamento de Arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL).”
Trata-se inovação quanto ao Regulamento 2012, que não endereçava possibilidade de o CAM-CCBC administrar procedimentos nos quais as regras procedimentais aplicáveis não coincidissem com o próprio Regulamento.
Comunicações eletrônicas
Confirmando tendência que ganhou força durante a pandemia de COVID-19, o artigo 3.1 do Regulamento 2022 prevê, como regra, que as comunicações escritas relativas ao procedimento arbitral serão feitas apenas em formato eletrônico, salvo acordo das partes em sentido diverso.
Requerimento de arbitragem e resposta
Os artigos 7.1 e 8.1 do Regulamento 2022 trazem inovações quanto às informações que devem constar do requerimento de arbitragem e de sua respectiva resposta.
No que se refere ao requerimento de arbitragem, o artigo 7.1, nos itens (g) e (h), prevê que o requerente deve apresentar, desde logo, “propostas ou outras informações relevantes quanto ao número e escolha dos árbitros ou, caso acordado pelas partes, a sua indicação”, bem como “informações sobre partes relacionadas e financiamento de terceiros”.
Na hipótese de o requerente não prestar as informações listadas no artigo 7.1 do Regulamento 2022, mesmo após a abertura de prazo para tanto, a Secretaria estará autorizada a proceder ao arquivamento do requerimento de arbitragem (artigo 7.3).
Disposições semelhantes são reproduzidas também no artigo 8.1, que se volta às informações que devem acompanhar a resposta ao requerimento, e acrescenta que o requerido deve também se valer da oportunidade para formular “pedido de inclusão de partes, se for o caso”.
Árbitros e conflito de interesses
Em linha com as alterações introduzidas nos artigos 7.1(h) e 8.1(g), mencionadas acima, os artigos 9.5 e 9.6 do Regulamento de 2022 agora impõem expressamente às partes o dever de informar as pessoas físicas e jurídicas envolvidas na disputa, bem como a existência de financiamento de terceiros, na primeira oportunidade possível. A regra tem o propósito de preservar a validade da constituição do tribunal arbitral.
Em acréscimo, o artigo 9.7 introduz importante vedação à criação de conflito de interesse posterior para qualquer dos árbitros, seja através de mudanças na representação das partes, seja por outros meios não especificados na regra. Trata-se de previsão que visa conservar a plena operação do tribunal arbitral e que, apesar de sua relevância, estava restrita à minuta de termo de arbitragem proposta pela Secretaria.
Arbitragem multiparte
O artigo 12 do Regulamento 2022 introduz regras relativas à nomeação de árbitros em procedimentos multiparte.
A regra constante do artigo 12.1 reflete entendimento consolidado na prática internacional desde o célebre caso Dutco.[1] Especialmente, prevê que, “não havendo consenso sobre a forma de indicação de árbitro pelas partes, a Presidência do CAM-CCBC, considerados os interesses perseguidos pelas partes na arbitragem, poderá nomear todos os membros do tribunal arbitral, indicando um deles para atuar como presidente.”
Já a regra do artigo 12.1.1, confere à Presidência do CAM-CCBC competência para “verificar quantos polos de interesse estão envolvidos no litígio ao tomar sua decisão.”
Integração de partes adicionais
O Regulamento de 2022 inova, também, ao agora prever regras para a integração de partes adicionais, como disposto em seu artigo 18.
De acordo com a nova regra, o requerimento de arbitragem contra a parte adicional deve ser apresentado pela parte interessada “na primeira oportunidade que tiver para se pronunciar” e terá um de dois destinos, a depender da fase em que se encontre o procedimento arbitral:
-
- Se antes da constituição do tribunal, a competência para analisar o pedido será da Presidência do CAM-CCBC, que determinará a integração “se houver consentimento de todas as partes envolvidas” ou, então, se “a parte adicional possuir relação com questão controvertida submetida à arbitragem e puder, em análise prima facie, ser considerada vinculada à convenção arbitral”, conforme o artigo 18.2 do Regulamento 2022. Nesse caso, a decisão da Presidência tem caráter provisório e pode ser revista pelo tribunal arbitral (artigo 18.3).
-
- Se após a constituição do tribunal, a competência para apreciar o pedido de integração é do próprio tribunal arbitral, que decidirá uma vez ouvidas as partes a respeito (artigo 18.4).
Em qualquer caso, visando conservar a integridade do procedimento, a parte integrada ao procedimento “deverá concordar com o tribunal arbitral constituído e deverá ser firmado adendo ao Termo de Arbitragem” (artigo 18.6).
Consolidação de procedimentos
A possibilidade de consolidação de procedimentos, tratada timidamente pelo Regulamento 2012, também mereceu maior destaque no Regulamento 2022.
De acordo com o novo artigo 19.1, a medida poderá ser determinada pela Presidência do CAM-CCBC em uma das seguintes hipóteses:
-
- quando há concordância das partes com a consolidação; ou
- caso todas as demandas formuladas nas arbitragens tenham por fundamento a mesma convenção arbitral; ou, por fim,
- ainda que as demandas não sejam formuladas com base na mesma convenção de arbitragem, se os procedimentos envolverem as mesmas partes, as disputas estiverem relacionadas à mesma relação jurídica e a Presidência do CAM-CCBC entender que as convenções de arbitragem são compatíveis.
A regra ainda confere à Presidência do CAM-CCBC a faculdade de ouvir os árbitros já investidos a propósito da consolidação (artigo 19.2), além de prever que a medida deve ser concretizada na arbitragem iniciada em primeiro lugar, salvo disposição das partes em sentido diverso (artigo 19.3).
Múltiplos contratos
O artigo 20 do Regulamento 2022 dedica-se à disciplina das chamadas arbitragens multi contract. A nova regra autoriza as partes a “deduzir demandas oriundas ou relacionadas a mais de um contrato, em um único processo arbitral.”
A tramitação conjunta de pleitos será possível quando os seguintes pressupostos cumulativos estiverem presentes:
-
- as convenções arbitrais forem compatíveis entre si;
- os pleitos decorrerem do mesmo negócio jurídico ou série de negócios jurídicos; e
- a medida não impactar de modo negativo a eficiência e celeridade do processo (artigo 20.3).
Como se passa com outras medidas de natureza semelhante, antes da constituição do tribunal arbitral, a competência para apreciar eventual objeção à continuidade de procedimento fundado em múltiplos contratos será da Presidência do CAM-CCBC (artigo 20.2). Após a constituição do tribunal arbitral, cabe a ele reapreciar a matéria (artigo 20.4).
Árbitro de emergência
Entre as inovações mais significativas está a introdução da figura do árbitro de emergência, nos termos de seu artigo 21 e das regras procedimentais elencadas no Anexo I.
A adesão às regras relativas ao árbitro de emergência se dá em sistema de opt out. Ou seja, as regras sobre árbitro de emergência se aplicam a todos os procedimentos sujeitos ao Regulamento 2022, salvo se as partes estipularem em sentido diverso (artigo 21.2).
Nos termos do artigo 21.2 do Regulamento 2022, o árbitro de emergência possui competência para adotar quaisquer medidas que, “por sua natureza, não possam aguardar a constituição do tribunal arbitral”, sejam elas cautelares, coercitivas ou antecipatórias (artigo 22.1).
O Regulamento 2022 teve, ainda, o cuidado de prever que o recurso ao árbitro de emergência não implica renúncia das partes a outras medidas de urgência perante a autoridade judicial competente (artigo 21.4).
O Anexo I do Regulamento 2022 traz regras detalhadas sobre o procedimento de árbitro de emergência. Dentre os dispositivos relevantes, destacamos:
-
- o artigo 2º, que prevê as hipóteses de rejeição liminar do requerimento de medidas urgentes;
- o artigo 6º, que determina a extinção do procedimento de árbitro de emergência se não requerida a instauração da arbitragem no prazo de 15 dias contados do requerimento de medidas urgentes;
- o artigo 10º, de acordo com o qual o árbitro de emergência não pode atuar como árbitro em procedimento relacionado à disputa, salvo acordo das partes em sentido diverso;
- o artigo 20º, que prevê prazo para o proferimento da decisão do árbitro de emergência; e, por fim,
- o artigo 21, que impõe às partes a obrigação de cumprir sem demora quaisquer decisões que vierem a ser proferidas pelo árbitro de emergência.
Alteração de pedidos
O Regulamento 2022 não altera a regra geral, já prevista no Regulamento 2012, de que a assinatura do Termo de Arbitragem é o momento que marca a estabilização dos pedidos.
Embora esta seja a orientação de caráter geral, o artigo 23.5 do Regulamento 2022 prevê agora a possibilidade de alteração, modificação, aditamento ou inclusão de novos pedidos após a subscrição do Termo de Arbitragem, desde que a medida seja autorizada pelo tribunal arbitral. Ao analisar requerimento dessa natureza, o tribunal “deverá considerar a natureza de tais novas demandas, o estado atual da arbitragem e quaisquer outras circunstâncias relevantes.”
Sentença arbitral
Com relação ao proferimento da sentença arbitral, há duas novidades no Regulamento 2022.
O artigo 30.4.1 agora prevê critérios expressos para a divisão dos ônus sucumbenciais, ao prever que o tribunal arbitral “levará em consideração o resultado do processo arbitral, a complexidade do caso, o trabalho dos advogados e o comportamento das partes e de seus patronos, inclusive litigância de má-fé ou abuso de processo” para definir o valor e a proporção do reembolso dos gastos com a arbitragem.
Já o artigo 30.6.1, também refletindo a prática consolidada ao longo da pandemia de COVID-19, prevê, de forma expressa, a possibilidade de a sentença arbitral ser assinada eletronicamente e/ou por meio de folhas de assinatura apartadas, depois reunidas em um único documento, salvo acordo em contrário das partes.
Arbitragem expedita
O Regulamento 2022 agora conta com previsões relativas ao procedimento expedito de arbitragem, antes disciplinado apenas por meio de Resolução Administrativa. Segundo preveem os artigos 36.1 e 36.7, trata-se de procedimento mais ágil e sujeito a custas de valores reduzidos, aplicável a disputas de até R$ 3 milhões (artigo 52 do Regramento de Custas 2022).
Também aqui, a adesão às regras relativas à arbitragem expedita se dá em sistema de opt out. Dessa forma, caso não seja do interesse das partes a sujeição de eventual litígio a essa modalidade de arbitragem, elas devem acordar expressamente nesse sentido (artigo 36.2 do Regulamento 2022).
Contudo, há também margem para que a Presidência do CAM-CCBC determine o afastamento das regras relativas à arbitragem expedita, de ofício ou a requerimento da parte, levando em conta a complexidade da disputa e outras circunstâncias relevantes (artigos 36.3 e 36.4 do Regulamento 2022). Tal decisão, no entanto, ficará sujeita a confirmação pelo tribunal arbitral (artigo 36.5).
Os aspectos procedimentais da arbitragem expedita estão regulados no artigo 37 do Regulamento 2022.
Aplicabilidade
O Regulamento 2022 será aplicável a todos os procedimentos cujo respectivo requerimento de arbitragem tenha sido apresentado após sua entrada em vigor, em 1º de novembro de 2022 (artigo 43.2).
As partes, entretanto, poderão optar pela incidência do Regulamento 2022, ainda que o respectivo requerimento de arbitragem tenha sido apresentado antes de sua entrada em vigor, desde que o termo de arbitragem seja firmado após tal marco (artigo 43.3).
Apontamentos finais
O Regulamento 2022 introduz regras que buscam endereçar problemas práticos frequentes, como é o caso das arbitragens multipartes, dos litígios fundados em múltiplos contratos e das medidas de urgência previas à constituição do tribunal arbitral.
A aplicação prática do Regulamento 2022 dirá se as medidas introduzidas de fato imprimirão maior agilidade, eficiência e segurança jurídica aos procedimentos arbitrais. Em qualquer hipótese, conhecer a fundo as novas regras será fundamental, tanto na fase de redação da cláusula compromissória, como após a instalação de eventual litígio.
Por fim, para procedimentos iniciados anteriormente, porém nos quais a assinatura do termo de arbitragem esteja pendente, caberá avaliar se as inovações introduzidas pelo Regulamento 2022 são pertinentes, do ponto de vista estratégico, de maneira a justificar eventual pedido para sua aplicação em lugar do Regulamento 2012.
A equipe de Resolução de Disputas do Demarest está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais que se façam necessários.
[1] Dutco v. BKMI e Siemens, Corte de Cassação, França, 7 de janeiro de 1992.