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Novo entendimento do STJ chama atenção para os riscos da penhora de bem alienado fiduciariamente por dívidas propter rem

7 de outubro de 2024

Transações imobiliárias: Provimento do CNJ aborda origem e destino do dinheiro

No mês de setembro de 2024, vimos uma reviravolta inesperada em um entendimento quase unânime, até então, nos tribunais do Brasil: bem alienado fiduciariamente não pode ser penhorado para saldar outras dívidas do devedor fiduciante, inclusive de natureza propter rem.

Tal entendimento se baseia no texto legal da alienação fiduciária, a partir do qual o devedor fiduciante, em caráter fiduciário e em garantia, entrega a propriedade ao credor. No entanto, dois recentes julgados abriram caminho para que esse entendimento possa ser revisto a depender das circunstâncias.

 

Um novo entendimento

O caso que motivou a revisão foi analisado no âmbito do Recurso Especial 2.059.278 SC pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os fatos noticiavam que o devedor fiduciante deixara de pagar as quotas condominiais incidentes sobre o imóvel alienado fiduciariamente, mas seguia adimplente com o pagamento das prestações devidas ao credor fiduciário,  instituição financeira que financiou a aquisição do imóvel objeto. O condomínio, então, moveu ação de cobrança contra o devedor fiduciante esperando receber os valores devidos e, uma vez esgotadas as buscas por bens líquidos, pediu a penhora do imóvel que se encontrava gravado pela alienação fiduciária em garantia.

O tribunal a quo negou o pedido pautando-se na então consolidada jurisprudência que, em atenção ao fato de que o bem não se encontrava no patrimônio do devedor, negava reiteradamente os pedidos dessa natureza. O condomínio, então, fez o pleito subir ao STJ que, no REsp 2.059.278 SC, acolheu o pedido de penhora de bem alienado fiduciariamente. Dias depois, uma decisão monocrática no mesmo sentido foi proferida no AREsp 2.684.988 pelo mesmo ministro que inaugurou a controvérsia, autorizando a penhora da mesma forma.

 

Avaliando os interesses envolvidos

Nesse contexto, balancear dois interesses igualmente legítimos sobre um mesmo imóvel é uma questão complexa. Nosso entendimento é de que, nessa ocasião, mais importante do que debater os direitos conflitantes é chamar atenção para os inegáveis impactos ao sistema de garantias e para a reflexão que se impõe a respeito do contrato adequado ao caso concreto. Nesse sentido, faz-se necessário prever regras que permitam o pagamento de dívidas acessórias para manutenção da garantia, com o acréscimo desses eventuais valores ao montante da dívida, assim como, a respeito da gestão da garantia, permitir que tais regras sejam eficazes na defesa da garantia.

O poder e as vantagens de uma alienação fiduciária em garantia foram muito bem testados nas últimas décadas, tendo sobrevivido a todos os casos em que um credor procurava expropriar bens de um devedor e esbarrava na impossibilidade de acessar os bens alienados fiduciariamente a um terceiro, quando os tribunais permitiam que a penhora recaísse  somente sobre os direitos à propriedade resolúvel desse bem. O credor fiduciário, então, seria notificado para que informasse os valores já pagos, que, por sua vez, corresponderiam ao valor de avaliação dos direitos à propriedade resolúvel.

Porém, ao longo do tempo constatou-se o óbvio: que leilões desses direitos tendiam à frustração. Possivelmente porque, no caso de arrematação, o arrematante levaria somente a propriedade resolúvel do imóvel acompanhada de uma dívida, assumindo a posição contratual de devedor fiduciante. Portanto, o arrematante seguiria obrigado a fazer pagamentos à instituição credora até quitar o financiamento e, assim, adquirir  a propriedade plena do imóvel. Essa dinâmica poderia frustrar a expectativa de se obter um preço mais favorável em leilão, ou talvez seja muito sofisticada para alcançar amplamente o púbico que participa de leilões.

 

Próximos passos

O caso concreto se desenrola no âmbito de um financiamento habitacional e, nesse contexto, avaliados os interesses envolvidos (credor, devedor e condomínio), e considerada a posição do condomínio e dos condôminos, direcionou-se a solução que resultou, na prática, na declaração da ineficácia da alienação fiduciária em garantia. Isso criou uma linha de interpretação que coloca um credor fiduciário numa posição de concorrência com outros credores, afastada do texto legal que trata da alienação fiduciária em garantia para buscar uma situação de equilíbrio para os envolvidos naquele caso concreto.

Essa circunstância requer atenção redobrada a contratos empresariais que tenham como pacto de garantia uma alienação fiduciária, quer com os mecanismos acima mencionados que permitam afastar inadimplementos de verbas acessórias, quer com a gestão da garantia ou, ainda, com a adoção de outra modalidade de garantia, para que se evite a discussão e para que, caso ela ocorra, seja decidida com base nos conceitos da lei da alienação fiduciária, notadamente em relação à posição da propriedade do imóvel dado em garantia, que deixa de fazer parte do patrimônio do devedor.

A equipe de Imobiliário do Demarest está à disposição para prestar esclarecimentos adicionais.

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