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Nova regulação da CVM sobre os Fiagro dinamizará o mercado

3 de outubro de 2024

A Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou a Resolução CVM 214, que criou a regulação definitiva dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (“Fiagro”) e incluiu outros ajustes às normas aplicáveis aos fundos de investimento.

Em termos objetivos, a nova regra traz oportunidades para a indústria, ao ampliar o escopo de atuação dos Fiagro e destravar o potencial desse veículo, criado em 2021, cujo objetivo foi trazer liquidez à cadeia agroindustrial e talvez ser o principal mecanismo do mercado de capitais organizado com essa finalidade.

 

Visão geral

A nova regulamentação colocou à disposição dos Fiagro as ferramentas que faltavam para seu potencial ser efetivamente implementado. Isso não era possível com a regulação transitória da CVM aplicável aos Fiagro, a Resolução CVM 39, que exigia dos Fiagro a aplicação das mesmas regras limitadoras da composição de patrimônio aplicáveis a outras categorias de fundos já existentes, compartimentalizando os ativos passíveis de aquisição por cada Fiagro e sujeitando-o a restrições de portfólio próprias de outras categorias de fundos com conjunto mais restrito de ativos-alvo

Por isso mesmo, o principal aspecto da nova norma está naquilo que a CVM optou, estrategicamente, por não regulamentar: a amplitude da definição de “cadeias produtivas agroindustriais”.

Ao analisar a evolução dos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e dos Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), criados pela Lei nº 11.076, de 30 de dezembro de 2004, o alcance de sua utilização decorreu sobretudo da visão adotada mais completa e integrada da atividade do agronegócio, com amparo da CVM na análise das ofertas sob sua jurisdição. Nesse contexto, ficou clara a importância de se distinguir as atividades “antes”, “depois” e “após” a “porteira”, para que esses instrumentos não ficassem restritos à produção rural, já atendida pela Cédula de Produto Rural (CPR).

A Lei nº 11.076 identifica essas atividades como “produção”, “comercialização”, “industrialização” e “beneficiamento”, e prevê cada um dos produtos e subprodutos.

Esse racional também pode ser adotado nos Fiagro, com a vantagem de que, além de aproveitar a amplitude da expressão “direitos creditórios do agronegócio”, esse fundo pode ir além do investimento em “direitos creditórios” e focar nas “cadeias produtivas agroindustriais”, cujo significado não exige, a todo tempo, a presença do produtor rural ou de seus cooperativos, que pode ser um desafio na Lei nº 11.076.

 

Principais pontos do Anexo Normativo VI da Resolução CVM 175

Fiagro “Multimercado”

A principal novidade da nova regra foi dar maior flexibilidade aos ativos passíveis de investimento por um mesmo fundo. No regime experimental da Resolução CVM 39, cada Fiagro ficava restrito apenas aos ativos admitidos na carteira da categoria-âncora atribuída (i.e., Fundo de Investimento em Participação – FIP, Fundo de Investimento de Direito Creditório – FIDC, ou Fundo de Investimento Imobiliário – FII), sem a possibilidade de combinar, na mesma carteira, ativos que fossem exclusivos de outras categorias, com algumas exceções em razão do caráter híbrido do FII.

Com a nova norma, permite-se ao Fiagro investir, por meio de uma mesma classe, em diferentes ativos originados na cadeia agroindustrial, sem restrições a uma determinada categoria de fundo, conforme previstos no artigo 14, do Anexo Normativo VI. Assim, agora o Fiagro pode combinar, por exemplo, investimentos diretos em imóveis rurais e em direitos creditórios do agronegócio na mesma política de investimentos, o que não era viável no regime anterior.

 

Aplicação subsidiária de normas

Na medida em que se pode, em um só Fiagro, investir em direitos reais sobre imóveis, créditos e participações societárias, surge a questão de qual deve ser o regime normativo a ser observado, até para se manter a consistência do sistema de regulação de fundos e não se estimular arbitragens regulatórias.

Se a política de investimento da classe admitir a aplicação de mais de 50% do patrimônio líquido do fundo em ativos próprios de outra categoria de fundo de investimento, haverá incidência subsidiária das normas dessa categoria. Na audiência pública, esse parâmetro era de 1/3, o que gerava um cenário teórico (e desafiador) da observância simultânea de três conjuntos de normas, com previsões conflitantes, em alguns casos.

Por exemplo: com a resolução agora editada, o Fiagro que investir mais de 50% da classe em direitos creditórios deverá se sujeitar ao Anexo Normativo II, que trata do FIDC.

Nesse contexto, se um ativo for enquadrável na norma aplicável à categoria de mais de uma categoria de fundo, o regulamento deve indicar expressamente a categoria de fundo cuja norma será aplicável.

Haverá duas situações em que, na política de investimento, as regras do Anexo Normativo VI prevalecerão, em princípio:

  • Se o Fiagro previr investimento em mais de 50% de seu patrimônio em ativos próprios de outra categoria de fundo de investimento; e houver conflito entre as regras do Anexo Normativo VI e as normas de outra categoria de fundo.
  • Se o Fiagro não previr investimento em mais de 50% de seu patrimônio em ativos próprios de outra categoria de fundo de investimento.

 

Imóveis rurais e garantias

Outro ponto interessante, que mostrou evolução sobre o que fora proposto na audiência pública, é a possibilidade de investir não só nos imóveis rurais, mas também em “direitos reais sobre imóveis rurais” e “direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais”.

Além disso, na definição de imóvel rural, a CVM adotou um conceito amplo, que abrange:

  • Imóveis que possuam Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e, portanto, sujeitos ao Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).
  • Imóveis localizados em perímetro urbano, desde que destinados à exploração de atividades das cadeias produtivas do agronegócio.
  • Imóveis com depósito de água não marinha, natural ou artificial, para utilização em atividades de piscicultura ou aquicultura.

Em qualquer caso, o respectivo imóvel deverá estar inscrito no cadastro ou registro de imóveis competente.

Ainda, foi estendida ao Fiagro a mesma regra recentemente aplicável ao FII com relação à constituição de garantias pelo fundo. Na linha prevista pela Lei 8.668, o Fiagro pode prestar fiança, aval, aceite ou coobrigar-se sob qualquer forma, bem como constituir ônus reais sobre os imóveis de sua carteira, o que simplifica algumas estruturas até então adotadas e abre oportunidades para maior alavancagem desses fundos.

 

Direitos creditórios não-padronizados

Durante a vigência da Resolução CVM 39, não era admitido o registro de Fiagro-Direitos Creditórios na categoria de FIDC-NP, voltado ao investimento em direitos creditórios não-padronizados.

Com a alteração nas normas relativas aos FIDC, no âmbito da Resolução CVM 175, os FIDC-NP deixaram de existir, pois o Anexo II passou a definir direitos creditórios não-padronizados e modular o nível máximo de exposição, por tipo de investidor (público em geral, qualificado e profissional).

A nova regra de Fiagro tirou a vedação até então existente, e passou a seguir a regra aplicável a cada categoria de fundo disposta nos outros anexos da Resolução CVM 175, em especial a regulação de FIDC, que permite investimento em direitos creditórios não-padronizados, nos limites de 5% (público em geral), 10% (investidores qualificados) e 100% (investidores profissionais).

 

Créditos de Carbono do Agronegócio e Créditos de Descarbonização (CBIOs)

Ainda, no âmbito do mercado de carbono, será permitido aos Fiagro investir em créditos de carbono do agronegócio, definidos como “títulos representativos da efetiva redução da emissão ou da remoção de gases do efeito-estufa da atmosfera, nos termos da legislação e regulamentação específicas, originados no âmbito das atividades das cadeias produtivas do agronegócio”.

Além dos créditos de carbono do agronegócio, outra inovação foi a inclusão de CBIOs, títulos financeiros negociáveis que representam a redução de emissões de gases de efeito estufa no setor de combustíveis, emitidos por produtores ou importadores de biocombustíveis como parte do programa RenovaBio.

É de se notar que a definição de créditos de carbono do agronegócio, para fins do Fiagro, é diferente da prevista para “créditos de carbono” no anexo normativo dos Fundos de Investimentos Financeiros (FIF) da Resolução CVM 175, pois:

  • Nos FIF, esses créditos estão inseridos no conceito genérico de ativos financeiros e se restringem ao mercado regulado (sem previsão, portanto, do mercado voluntário).
  • No Fiagro:
  • Não houve equiparação automática dos CBIOs e dos créditos de carbono do agronegócio a ativos financeiros, para fins de enquadramento no rol de ativos do art. 20-A, inciso III, da Lei 8.668, o que não impede que essa equiparação aconteça, sobretudo para efeitos tributários, pois, a depender de sua qualificação, pode haver, segundo a CVM, “impacto na aplicação da referida lei pela autoridade fiscal, o que deve ser considerado pelo gestor na composição da carteira do fundo”.
  • A origem de tais créditos deve ser as atividades das cadeias produtivas do agronegócio.
  • Não há restrição a que esses créditos se refiram ao mercado regulado.

No mais, a nova norma flexibiliza e permite que os Fiagro, além de negociar créditos de carbono, sejam originadores de créditos de carbono advindos de imóveis rurais de sua carteira de ativos, aumentando, assim, a flexibilidade das operações passíveis de realização, pelo Fiagro, com tais ativos, em comparação aos FIF.

 

Instrumentos com liquidação física

Outro destaque é a previsão, no informe mensal do Fiagro, de instrumentos com liquidação física, por exemplo, a Cédula de Produto Rural (CPR) Física e o Certificado de Depósito Agropecuário e Warrant Agropecuário (CDA/WA).

Não é a primeira vez que a CVM reconhece a existência, em fundos e securitização, de ativos cuja quitação de obrigações possa ocorrer com bens ou direitos. No agronegócio, essa previsão, na norma de Fiagro, é um aspecto relevante, pois nessa indústria se trabalha extensivamente com dinâmicas de permuta.

 

Investimentos em ativos de liquidez e derivativos

Assim como a regra de FII, o Anexo Normativo VI permite que a classe do Fiagro aplique recursos em cotas de fundos de investimento em renda fixa e títulos de renda fixa, exclusivamente para fins de liquidez e cumprimento de obrigações da classe. A CVM entende que, além de endereçar as necessidades de caixa da classe, tal investimento também se justifica por viabilizar o funcionamento do Fiagro e, dessa forma, o financiamento das cadeias produtivas do agronegócio.

Na mesma linha, o Anexo Normativo VI permite a aplicação de recursos do Fiagro em derivativos, exclusivamente para fins de proteção patrimonial da carteira de ativos (sem exposição ao risco de capital). Além de pontuar que a operação de hedge não configura um investimento em si, mas uma ferramenta de proteção de patrimônio, a CVM reforça, no relatório de audiência pública da norma, que tal mecanismo também serve para contribuir com o desenvolvimento das cadeias produtivas do agronegócio, justificando a permissão concedida pelo regulador nesse sentido.

 

Investimento em Fundos de Índice (ETFs) e cotas de Fiagro.

Outro destaque importante é a previsão expressa, no rol de ativos descritos do artigo 14 da Resolução CVM 214, da possiblidade de aquisição de “cotas de classes que apliquem mais de 50% de seu patrimônio líquido nos ativos referidos nos incisos I a VI, o que inclui cotas de outros Fiagro, mas não se limita a essa categoria de fundos”.

Tal inclusão permite, aos Fiagro, por exemplo, o investimento em cotas de emissão da classe de outros Fiagro, além de emissão de ETF dedicados às “cadeias produtivas agroindustriais”, observados os impactos tributários.

 

Demais pontos da Resolução CVM 214

A Resolução 214 realizou alterações pontuais no Anexo Normativo III, relativo aos FII. Além da revogação do artigo que tratava dos pedidos de procuração para representação em assembleia de cotistas, que agora está previsto na parte geral da Resolução CVM 175, o texto de seu artigo 6º foi ajustado para corrigir um erro relativo ao procedimento de oferta pública voluntária de aquisição de cotas (OPAC).

Foi substituído o termo “recompra” por “ofertas públicas voluntárias” no trecho que trata da aquisição de cotas pela própria classe fechada que as emitiu. Tal processo está sujeito às regras e procedimentos operacionais estabelecidos pela entidade administradora do mercado organizado em que as cotas estejam admitidas à negociação, não se confundindo com uma operação de recompra. Ainda, o Anexo Normativo VI incorporou a mesma regra para os Fiagro.

 

Vigência

  • A Resolução CVM 214 entra em vigor em 3 de março de 2025, exceto pela alteração relativa à regra de OPAC para os FII, que entra em vigor em 1º de novembro de 2024.
  • A adaptação dos Fiagro em funcionamento deverá ocorrer até 30 de setembro de 2025.

 

As equipes de Mercado de Capitais, Fundos de Investimento e Gestão de Recursos, Agronegócio, Tributário, e ESG – Ambiental, Social e Governança do Demarest estão à disposição para prestar esclarecimentos.