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Nova lei regula fixação de juros e correção monetária em processos, contratos e captações de recursos

3 de julho de 2024

Em 28 de junho de 2024, foi sancionada a Lei nº 14.905, que introduz importantes alterações em disposições do Código Civil, com a finalidade de uniformizar e regular:

  • A aplicação de atualização monetária e de juros moratórios sobre valores devidos e não pagos relativamente a contratos que não contenham previsão de taxas previamente convencionadas, bem como em pagamentos no âmbito de ações judiciais que estabeleçam indenização por perdas e danos.
  • Afastar a incidência da “Lei de Usura” na estipulação de remuneração em determinados contratos e captações de recursos.
  • Reforçar a liberdade contratual das partes quanto à estipulação de critérios de atualização e cômputo de juros remuneratórios e de mora.

Nos casos de ausência de regra específica em negócios jurídicos, a Lei nº 14.905 estipula a adoção do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) para a aplicação da correção monetária, enquanto a Selic será adotada como padrão de incidência de juros, contribuindo para maior segurança jurídica nas relações civis e previsibilidade financeira nos processos judiciais.

A nova redação visa, de um lado, resolver polêmicas em relação aos critérios de atualização e juros, aplicáveis às situações em que os contratantes não dispuseram a esse respeito em seus contratos, e, de outro, limitar a incidência da Lei de Usura, analisada a seguir.

Como a redação anterior do Código Civil estabelecia, a título de juros moratórios, a aplicação de “juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos”, cada Tribunal aplicava o índice oficial que entendia ser o mais adequado. Essa discussão se estendia a juros remuneratórios. Com isso, a depender da jurisdição estadual em que discussão fosse instaurada, registrava-se grande variação e disparidade entre os valores finais arbitrados, mesmo diante de contextos idênticos.

A promulgação dessa lei também afasta a discussão que vinha sendo desenvolvida no Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito de uma definição explícita sobre a taxa de juros a ser aplicada em dívidas cíveis em determinadas circunstâncias. Na análise dos Recursos Especiais nº 1.081.149-SP e nº 1.795.982-SP, a Corte Especial demonstrava tendência de adotar a Selic para corrigir dívidas cíveis, embora houvesse decisões, em primeira e segunda instâncias, no sentido de limitar a taxa de juros a 1% ao mês. No entanto, após questões de ordem levantadas pelo ministro Luis Felipe Salomão, o julgamento foi interrompido e permanece até o momento sem resolução.

A discussão com relação à atualização monetária e aos juros incidentes nos negócios jurídicos vinha gerando insegurança jurídica e prolongando a duração das disputas, com impactos relevantes na precificação de operações (dado o risco embutido em eventual revisão de contratos celebrados) e na celebração de negócios jurídicos, inclusive captações de recursos.

Com a alteração legal, nas situações em que não haja indicação das partes a respeito da taxa, incidirá a Selic, com a dedução do IPCA do respectivo cálculo (art. 406, §1º), pois entende-se que a composição da taxa Selic contém elementos de juros e de correção monetária. Assim, para evitar dupla incidência de correção monetária, o legislador determinou que, no cálculo de condenações, incidirá a Selic, com expurgo do percentual correspondente ao IPCA. Caso o IPCA seja negativo (deflação), não haverá dedução de índice inflacionário (para fins do cálculo, ele será considerado igual a zero – art. 406, §3º).

A metodologia de cálculo e a sua forma de aplicação, de acordo com o texto legal, serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central, que disponibilizará uma aplicação interativa para simular cálculos em situações do cotidiano financeiro.

Outra modificação relevante diz respeito à flexibilização da Lei da Usura (Decreto 22.626/1933), que proíbe a cobrança de taxas de juros superior ao dobro da taxa legal e cobrança de juros compostos (juros sobre juros). A nova lei afastou, também, a aplicação do Decreto 22.626/1933 (Lei de Usura) às obrigações:

  • contratadas entre pessoas jurídicas;
  • representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;
  • realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários; e
  • contraídas perante instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, fundos ou clubes de investimento, sociedades de arrendamento mercantil, empresas simples de crédito, e organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790/99.

Essa flexibilização traz critérios alternativos para aplicação da Lei de Usura, em negócios pactuados:

  • entre determinadas partes (com foco nas partes envolvidas);
  • por meio de determinados instrumentos (nesse caso, o objetivo é a forma por meio da qual a operação se estruturar); ou
  • no âmbito de determinados mercados (financeiro, de capitais ou de valores mobiliários).

Como os critérios são alternativos, a intenção clara da norma é, nos casos listados, conferir robusto suporte jurídico para a pactuação de juros em cada situação, a depender das pessoas contratantes, instrumentos e mercados utilizados.

Por fim, com exceção da parte do art. 2º que inclui o § 2º no art. 406 do Código Civil, que entra em vigor em 28 de junho de 2024, os demais dispositivos entrarão em vigência em 60 dias da data da publicação, período no qual é recomendável que se faça uma revisão de índices de correção monetária e taxas de juros fixadas em contratos já firmados.

As equipes de Mercado Financeiro e do Contencioso Cível do Demarest estão à disposição para auxiliar clientes e parceiros com os esclarecimentos necessários sobre o tema.