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Reforma tributária: o que é e quais mudanças prevê

8 de fevereiro de 2024

Reforma tributária: o que é e quais mudanças prevê

Atenta às recentes mudanças no Direito Tributário brasileiro, a equipe da área tributária do Demarest preparou este artigo abordando o que é a reforma tributária, quais são seus objetivos, quais tributos serão alterados com a sua aprovação e como ela impacta diferentes setores da economia. Boa leitura!

O que é a reforma tributária? O que muda?

Trata-se da Emenda Constitucional n.º132, que estipula uma reforma da tributação sobre o consumo por meio da substituição de tributos federais, estaduais e municipais. Os objetivos da reforma tributária são promover simplicidade, transparência e justiça tributária, além de defesa do meio ambiente, buscando descomplicar o modelo de tributação brasileiro.

Dessa forma, as principais alterações trazidas pela reforma incluem:

  • A criação do sistema de IVA Dual (Imposto Sobre Valor Agregado) composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), com a consequente extinção do PIS e Cofins e IPI, em âmbito federal, do ICMS, em âmbito estadual e ISS, em âmbito municipal;
  • A criação do Imposto Seletivo (IS), de competência federal. Ainda é prevista uma contribuição estadual incidente sobre produtos primários e semielaborados.

Processo de aprovação da reforma tributária

Antes de ser sancionado, o texto do projeto de lei de criação da reforma tributária passou pela Câmara dos Deputados, sendo aprovado em 7 de julho de 2023, e pelo Senado Federal, quando foi aprovado em 8 de novembro de 2023. Como houve alterações no Senado, o projeto voltou à Câmara para uma nova votação, em 15 de dezembro de 2023, quando foi novamente aprovado. A promulgação da Emenda Constitucional n.º 132 aconteceu em 20 de dezembro de 2023.

Ainda está prevista a edição de uma série de leis complementares pelo Congresso para dar suporte à reforma, algo que deve acontecer ao longo de 2024.

IVA Dual

A CBS e o IBS, ainda que um possua natureza federal e outro subnacional, compartilham as mesmas regras de: bases de cálculo, fatos geradores, hipótese de incidência, regimes específicos ou diferenciados, não cumulatividade e creditamento, sujeitos passivos e imunidades. Assim, é possível simplificar, de fato, o sistema tributário nacional.

Ademais, ambos os impostos têm como características:

  • Base ampla de incidência e alíquota única: com poucas exceções, eles incidem sobre operações e importações com bens materiais, imateriais ou com serviços;
  • Cálculo por fora: eles não compõem a própria base, marcando o fim do gross up;
  • Não-cumulatividade ampla: direito ao crédito na etapa anterior, com exceção de uso e consumo pessoal, isenção e imunidade na forma de lei complementar;
  • Princípio do destino: cobrança do imposto no local de destino, colocando um fim à guerra fiscal; e
  • Cashback: possibilidade de devolução de parte dos tributos pagos por pessoas físicas de baixa renda, buscando reduzir as desigualdades de renda.

É válido destacar que alguns setores contarão com condições diferenciadas no recolhimento de CBS e IBS.

Regimes diferenciados

Produtos hortícolas, frutas e ovos, reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas, produtos da Cesta Básica Nacional, serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos e automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência e com transtorno do espectro autista ou por motoristas de táxi possuem hipótese de redução de 100%. Serviços do ensino superior ligados ao Programa Universidade para Todos (Prouni) têm redução total somente do CBS.

Já os alimentos para consumo humano, produtos e insumos agropecuários, pesqueiros e florestais, produtos de higiene e limpeza, alguns serviços de transporte público coletivo, serviços de educação, serviços de saúde, bens e serviços relacionados à segurança e produções artísticas, culturais ou de atividades desportivas têm hipótese de redução de 60%.

Medicamentos, dispositivos médicos, dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual possuem reduções de 100% e 60%. Finalizando esta categoria, serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística contam com hipótese de redução 30% se submetidas a fiscalização por conselho profissional.

Além das hipóteses de reduções, há a possibilidade de outros benefícios e regimes de recolhimento de CBS e IBS. Por exemplo, a tributação de biocombustíveis deverá, necessariamente, ser inferior à de combustíveis fósseis para estimular sua produção e consumo.

Regimes Tributários Específicos

Alguns setores e atividades terão tratamento tributário específico, com a possibilidade  de alíquotas e bases de cálculo específicas, podendo incidir inclusive sobre a receita/faturamento. Por exemplo, os combustíveis e lubrificantes estarão sujeitos à incidência monofásica, com aplicação de alíquota uniforme.

Estarão sujeitos aos regimes tributários específicos as seguintes atividades: serviços financeiros, serviços de hotelaria, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e aviação regional, operações com bens imóveis, planos de saúde, parques de diversões/temáticos, restaurantes, sociedades cooperativas e loterias, serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário e hidroviário, operações alcançadas por tratado ou convenção internacional, inclusive referentes a missões diplomáticas, repartições consulares, representações de organismos internacionais e respectivos funcionários acreditados.

Imposto Seletivo

O IS ainda será instituído pela União Federal via lei complementar. Seus fatos geradores incluirão a produção, a extração, a comercialização ou a importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.

O IS não incidirá sobre operações de exportação, operações com energia elétrica e com telecomunicações, nem sobre bens e serviços com alíquotas reduzidas. Poderá incidir sobre armas e munições, exceto quando destinadas à administração pública e à atividade extrativista (nesse caso, com alíquota máxima de 1% sobre o valor de mercado do produto).

As alíquotas poderão ser específicas (por unidade de medida) ou percentuais. Sua alteração será por lei ordinária, o que anteriormente seria feito por decreto.

O IS terá aplicação das anterioridades anual e nonagesimal e comporá a base de cálculo da CBS e do IBS, assim como do ICMS e do ISS enquanto existirem (até 2033).

Implantação da reforma tributária

A adoção das mudanças previstas pela reforma tributária obedecerá um regime de transição:

  • Em 2026, iniciará o período de teste do novo IVA Dual, com a cobrança do o IBS (0,1%) e da CBS (0,9%), passíveis de compensação como PIS/Cofins devido pelo contribuinte;
  • Em 2027, ocorrerá a extinção do PIS/Cofins, a redução da alíquota a 0% do IPI (exceto ZFM) e a criação do Imposto Seletivo. O IBS será cobrado à alíquota estadual de 0,05% e municipal de 0,05%, enquanto o CBS será implementado efetivamente, com alíquota reduzida em 0,1% (percentual estes aplicáveis até 2028);
  • Entre 2029 e 2032, haverá a redução gradual do ICMS, do ISS e dos respectivos benefícios fiscais, enquanto o IBS também será gradualmente implementado.
  • Em 2033, serão extintos o ICMS, o ISS e os respectivos adicionais Fundos de Combate e Erradicação da Pobreza.

Saldos Credores

Os saldos credores de ICMS existentes ao final de 2032 poderão ser aproveitados pelos contribuintes, nos termos da lei complementar. Para tanto, os créditos deverão ser admitidos pela legislação e homologados pelo estado correspondente. 

A compensação desses saldos credores com IBS será realizada em 240 parcelas idênticas e sucessivas, exceto para os ativos permanentes, que serão compensados pelo prazo remanescente. 

A lei complementar definirá a sistemática de transferência de saldos credores, além de regulamentar a compensação ou restituição de saldos credores de PIS/Cofins e IPI, inclusive a possibilidade de compensação com outros tributos federais, com a CBS ou ressarcimento em dinheiro.

Reforma tributária: alterações em outros tributos

Sobre o ITCMD, de competência estadual, as alíquotas passarão a observar a progressividade, em razão do valor da transmissão ou da doação, limitada às sucessões abertas a partir da publicação da emenda constitucional. 

Ainda, doações realizadas para as instituições sem fins lucrativos não mais se sujeitam à incidência desse imposto. Contudo, tal disposição passa a ser eficaz apenas com a publicação de Lei Complementar, que definirá os critérios e contornos da não incidência.

O IPVA, de competência municipal, que antes tributava apenas veículos automotores, passa também a incidir sobre veículos aquáticos e aéreos. Ainda, com base nas premissas da Reforma Tributária, introduziu-se a possibilidade de adoção de alíquotas diferenciadas em razão do impacto ambiental. 

Além disso, foram incluídas exceções à incidência desse imposto, como para máquinas e tratores agrícolas, aeronaves agrícolas e de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros, plataformas suscetíveis de se locomover na água por meios próprios; e embarcações de pessoa jurídica que detenha outorga para prestar serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência.

No caso de inventário e arrolamento, o imposto passa a ser devido ao Estado onde era domiciliada a pessoa falecida. Por fim, foram feitas alterações no tocante à heranças e doações do exterior.

Por último, a base de cálculo do IPTU, também de competência municipal, poderá ser atualizada pelo poder executivo, a partir de critérios gerais previstos em lei municipal, de modo a facilitar que as administrações municipais alcancem o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização.

Reforma tributária: o que muda para o comércio exterior?

Em primeiro lugar, é importante informar que a reforma tributária não altera diversos tributos relevantes para o comércio exterior, sendo eles:

  • Imposto de Importação (II),
  • Imposto de Exportação (IE),
  • IOF Câmbio,
  • Taxa Siscomex,
  • Taxa Mercante,
  • CIDE-combustível,
  • CIDE-remessas,
  • Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM).

A respeito das mudanças, o IBS, a CBS e o IS não incidem sobre as operações de exportação, apenas na importação. É assegurada ao exportador a manutenção dos créditos relativos às operações nas quais seja adquirente de bem (material ou imaterial) ou de serviço.

Por fim, as condições diferenciadas para recolhimento de IBS e CBS incluirão, por meio de lei complementar, regimes aduaneiros especiais e zonas de processamento de exportação. Espera-se que sejam mantidos regimes comumente utilizados nas operações de comércio exterior, tais como drawback, entreposto aduaneiro, admissão temporária e exportação temporária.