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CVM divulga parecer de orientação sobre as Sociedades Anônimas de Futebol (SAF) e o seu papel no Mercado de Capitais

12 de setembro de 2023

A Comissão de Valores Mobiliários esclarece seu entendimento a respeito da atuação do regulador e as normas aplicáveis às SAFs

Com o objetivo de orientar os investidores e participantes do mercado sobre a utilização de instrumentos que viabilizam o acesso ao mercado de capitais pelas Sociedades Anônimas de Futebol (“SAF”), a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou o Parecer de Orientação nº 41, de 21 de agosto de 2023 (“Parecer de Orientação 41”), que traz o entendimento da autarquia sobre as normas aplicáveis às SAFs, bem como o papel do regulador.

A SAF é uma companhia cuja atividade principal consiste na prática de futebol, feminino e masculino, em competições profissionais, sendo regida primariamente pela Lei 14.193, de 6 de agosto de 2021 (“Lei da SAF”), com aplicação subsidiária da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das Sociedades por Ações”).

O primeiro ponto levantado pela CVM diz respeito à sua atuação. Embora haja a aplicação da Lei das Sociedades por Ações às SAFs, estas não serão submetidas, automaticamente. à fiscalização e supervisão da autarquia, bem como ao cumprimento das exigências regulatórias do mercado de capitais. Desse modo, somente enquadram-se na competência de atuação da CVM, as SAFs que (a) requeiram o seu registro de companhia aberta; ou (b) acessem o mercado de capitais com o objetivo de financiar as suas atividades.

Posteriormente, a CVM esclarece dúvidas em temas relacionados com as SAFs que acessam o mercado de capitais, conforme descritos abaixo.

Formação do Capital Social das SAFs. O primeiro ponto diz respeito às hipóteses de constituição das SAFs, a qual, nos termos da Lei da SAF, deve ocorrer por meio de: (a) transformação do clube ou pessoa jurídica original em SAF; (b) cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade de futebol; ou (c) iniciativa de pessoa natural ou jurídica, ou ainda de fundo de investimento. Independentemente da modalidade escolhida, a formação do capital social de uma SAF deve atender o disposto na Lei das Sociedades por Ações, com a contribuição ser realizada apenas por meio de dinheiro ou bens de qualquer espécie suscetíveis a avaliação em dinheiro, como direitos sobre marcas, uso de estádio, arena ou instalações dedicadas à formação de atletas. A avaliação de tais bens deverá ser feita por 3 (três) peritos ou por empresa especializada, nos termos da Lei das Sociedades por Ações.

Ações de Emissão das SAFs. A Lei da SAF prevê uma exceção à Lei das Sociedades por Ações, uma vez que a regra geral veda a emissão e manutenção de mais de uma classe de ações ordinárias para companhias abertas, ressalvada a hipótese de voto plural, que foi recentemente introduzida na legislação. A SAF que possuir o interesse em registrar-se na CVM emitirá as seguintes ações, conforme aplicável:

  • Ordinárias de Classe Específica. A SAF deverá contar com uma classe específica de ação ordinária, denominada em legislação própria como “Classe A”, para subscrição exclusiva de clube ou pessoa jurídica original constituinte da respectiva SAF, os quais possuem prerrogativa especial, bem como detém direitos específicos, nos termos da Lei da SAF.
  • Ordinárias de demais classes. Caso a SAF pretenda emitir ações ordinárias para subscrição por outros subscritores, os quais não se enquadrariam na descrição mencionada acima, poderá fazê-lo por meio de classe de ações ordinárias, com previsão (ou não) de voto plural, sempre distinta da Classe A.
  • Preferencias. É possível que a SAF possua apenas ordinárias Classe A e as demais ações sejam preferenciais, observada exigência da Lei das Sociedades por Ações de que as ações preferenciais sem voto, ou com voto restrito, não devam ultrapassar 50% do total de ações emitidas pela SAF.

Ainda, a CVM entende que os direitos decorrentes da Classe A possuem natureza personalíssima e, portanto, sua aquisição por terceiros implicará a conversão em outra classe de ações ordinárias ou em preferenciais – em qualquer caso, o adquirente não será titular de direitos exclusivos previstos na Lei da SAF, atribuídos exclusivamente ao clube.

Poder de Controle e Governança Corporativa. A Lei da SAF prevê uma estrutura básica de governança, com características e elementos principais, permitindo que os respectivos estatutos estabeleçam a estrutura complementar. Assim, a CVM esclarece pontos de atenção a serem observados, conforme elencados abaixo:

  • Acionista Controlador. A CVM orienta que haja mecanismos internos para replicar a vedação legal de o acionista controlador de uma SAF ser titular de participação, inclusive indireta, em outra SAF, inclusive por meio de exigências periódicas, como o envio da declaração de conformidade pelos acionistas.
  • Acionista com mais de 10% das ações votantes. Nos termos do artigo 4º, da Lei da SAF, o acionista titular de mais de 10% das ações votantes de uma SAF, e ao mesmo tempo for titular de qualquer quantidade de ações em outra SAF, não terá direito a voz ou voto nas assembleias destas companhias, podendo apenas nelas comparecer, nem poderá participar de suas administrações.
  • Excepcionalidade do Conselho Fiscal. A vedação mencionada acima aplica-se ao Conselho de Administração e à Diretoria; portanto, é possível que haja a participação deste acionista no Conselho Fiscal, sendo importante observar às regras dispostas na Lei das Sociedades por Ações.
  • Direitos essenciais dos acionistas. O titular de ações preferenciais sem voto, ou com voto restrito, pode, em linha com a Lei das Sociedades por Ações, readquirir este direito em caso de não pagamento de dividendos fixos ou mínimos, sem que isso implique eliminação da necessidade de voto afirmativo dos titulares das ações Classe A para as matérias previstas em lei. Ainda, os acionistas sem direito de voz ou proibidos de votar poderão exercer os direitos essenciais elencados na Lei das Sociedades por Ações, como os previstos no artigo 109 desta lei;
  • Acordo de Acionistas. É vedado ao acordo de acionistas estabelecer direitos ou deveres que violem as normas proibitivas presentes na Lei da SAF, bem como a possibilidade de o acionista controlador de uma SAF, nos termos artigo 4º da Lei da SAF, formar quórum para requisição de voto múltiplo ou eleição em separado, ainda que não influencie os demais votos;
  • Órgãos da Administração. Diferentemente da Lei das Sociedades por Ações, a Lei da SAF estabelece que o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal sejam de permanência obrigatória. Assim, dada a ausência de qualificação destes órgãos em lei especial, é necessária a interpretação subsidiária da Lei das Sociedades por Ações, principalmente quanto aos requisitos, impedimentos, deveres e responsabilidades. No caso de SAFs registradas na CVM, portanto, é vedada a cumulação de cargos de Presidente do Conselho de Administração e de Diretor-Presidente, ressalvada a exceção para companhias de pequeno porte, além de ser obrigatória a participação de membros independentes no Conselho de Administração da SAF.
  • Deveres Informacionais. Por fim, o Parecer de Orientação 41 estabelece algumas exigências de disclosure:
  • Pessoa jurídica com participação igual ou superior à 5%. Neste caso, deverá informar, à companhia e à autoridade nacional de desportos, as informações da pessoa natural que exerça o seu controle ou seja beneficiária. Considerando a semelhança desta exigência com a prevista no artigo 12, da Resolução CVM nº 44, de 23 de agosto de 2021 (”Resolução CVM 44”), embora não sejam as mesmas obrigações, a CVM entende que poderão ser cumpridas em um único documento, desde que atendam aos requisitos estabelecidos em ambas as previsões.
  • Fato Relevante e Formulário de Referência. Caso a SAF seja companhia aberta, é necessário o cumprimento dos deveres informacionais presentes na Resolução CVM nº 80, de 29 de março de 2022 (“Resolução CVM 80”), e na Resolução CVM 44, como a atualização do Formulário de Referência, e a publicação de fato relevante ou comunicado ao mercado, quando aplicável.

Acesso ao Mercado. O Parecer de Orientação 41 esclarece que as SAFs, assim como as demais companhias, possuem múltiplos instrumentos que permitem a captação no mercado de capitais, conforme as possibilidades exemplificadas abaixo.

  • Abertura de Capital. Caso a SAF decida realizar uma oferta inicial de ações, a CVM destaca a necessidade de observação da Resolução CVM 80, bem como da Resolução CVM nº 160, de 13 de julho de 2022 (“Resolução CVM 160”), não somente na submissão da oferta, como também na relação posterior da companhia com os seus investidores e a CVM.
  • Instrumento de Dívida: Em linha com o disposto na Resolução CVM 160, é possível que sociedades não registradas na CVM como emissores de valores mobiliários realizem ofertas públicas de instrumentos de dívida, com as diversas modalidades de remuneração previstas em lei ou regulação, incluindo as debêntures-fut, destinadas a investidores profissionais. Ainda, caso a SAF promova a emissão de debêntures regidas exclusivamente pela Lei das Sociedades por Ações, não se aplicará o conteúdo da debênture-fut a esta emissão, nos termos da Lei da SAF.
  • Debêntures-Fut. Caracterizam-se como valor mobiliário exclusivamente emitido pelas SAFs, cujos recursos deverão ser alocados no desenvolvimento de atividades ou no pagamento de despesas relacionadas às atividades típicas da SAF, para as quais aplica-se a Lei das Sociedades por Ações subsidiariamente. Um dos pontos destacados pela CVM é a vedação à recompra de debêntures-fut pela SAF ou por parte relacionada, liquidação antecipada por meio de resgate ou ao pré-pagamento de debênture-fut pelas SAFs, salvo na forma a ser regulamentada pela CVM. Nesse sentido, a CVM entendeu que as SAFs já estão autorizadas a recomprar as debêntures-fut de própria emissão, ofertadas publicamente, desde que cumpram a regulação aplicável, em especial, as Resoluções CVM nº 77 e nº 81, ambas de 29 de março de 2022. Entretanto, tal autorização não se estende às demais hipóteses mencionadas acima, dado que, até o momento, não contam com disciplina específica na regulamentação de mercado que vá além do regime informacional. Nada impede, contudo, de a autarquia editar regras específicas para a aquisição de debêntures-fut, assim como disciplinar o afastamento de vedação à liquidação antecipada das debêntures-fut por meio de resgate ou o pré-pagamento de tais títulos, a depender da experiência e observação das práticas de mercado;
  • Crowdfunding: A CVM não veda a utilização deste tipo de mecanismo pelas SAFs, que não sejam registradas na CVM, desde que cumprido os demais requisitos regulatórios, bem como também não veda o acesso ao mercado de capitais por meio da emissão de valores mobiliários tokenizados, comumente utilizados nas plataformas de crowdfunding.
  • Fundos de Investimento. A CVM orienta que o funcionamento dos fundos obedeça a regulação do mercado de capitais e o respectivo regulamento. É válido destacar que a CVM entende haver uma sinergia entre as necessidades do mercado das SAFs e a formação de fundos de investimento, em especial do Fundo de Investimento em Participações, Fundos de Investimento Imobiliário, Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, bem como com as atividades de securitização, tornando esses veículos aptos a realizar o financiamento esperado pelas SAFs.

Proteção aos Investidores. Em decorrência do formato não tradicional das SAFs, que pode reunir, como investidores, pessoas com diferentes perfis e níveis de conhecimento, além de torcedores, que poderão ser influenciados a realizar determinado investimento movido pela paixão ao seu time, a CVM destacou alguns pontos de atenção a serem seguidos como forma de proteger os investidores de eventual decisão não racional.

  • Documentos da Oferta. Atenção à descrição dos fatores de risco das ofertas e dos emissores, bem como o uso de linguagem clara, concisa, objetiva e balanceada nos documentos da oferta;
  • Suitability. A CVM orienta que os intermediários e os demais distribuidores aloquem os produtos conforme o perfil do investidor, sem explorar o lado passional deste para fins de promoção da oferta pública;
  • Comunicados ao Mercado e Fatos Relevante. A CVM esclarece que, embora reconheça o desafio das SAFs na definição do que deveria ser objeto de divulgação ao mercado, ao observar a prática em outras jurisdições, não tem expectativa de que a SAF e seus administradores se manifestem em reação a qualquer notícia ou boato. Entretanto, não deixará de exigir que sejam cuidadosamente avaliados os atos e fatos que tenham o condão de gerar os efeitos previstos na Resolução CVM 44 e, que realizem as devidas manifestações.

Competência da CVM. Por fim, a CVM reforça que a sua competência está restrita à oferta de valores mobiliários; logo, não poderá atuar na oferta de instrumentos que não possuam tal natureza, como fan token e apostas esportivas.

O Parecer de Orientação 41 também esclarece que, em decorrência da previsão do Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (“PDE”), cujo objeto é criar um convênio obrigatório a ser celebrado com instituição pública de ensino, para promover medidas em prol da educação, é importante que as SAFs: (a) zelem pela transparência em relação aos compromissos assumidos e executados; e (b) sendo companhias abertas, estipulem, internamente, os montantes máximos anuais a serem empregados no convênio, bem como realizem reporte destes. Ainda, a CVM destaca a possibilidade de as SAFs refletirem o PDE como medida de ESG dentro da companhia, dado o seu papel social.

Para mais informações, o Parecer de Orientação 41 está disponível para acesso no site Sistema CVM.


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